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Nossa Senhora do Fogo
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Nossa Senhora do Fogo

No último dia 15 de abril, o planeta foi tomado pela má notícia do incêndio da Catedral de Notre-Dame, em Paris. Comoção geral: as TVs, celulares e demais aporrinholas eletrônicas mostravam do chão e do céu as imagens das fulvas línguas de fogo e dos grossos rolos de fumaça que saíam da coberta do majestoso templo. "Eita, esteja onde estiver, Viollet-le-Duc deve estar espumando de ódio", pensei cá comigo. Fagulhas, produzidas no canteiro de uma obra que se arrastava há tempos, teriam sido as causadoras do sinistro. O prédio já apresentava sérios problemas de conservação, de fazer corar as suas muitas gárgulas, e mais essa agora. O alvorecer do gótico, o livro de pedra de Victor Hugo, o cenário da paixão de Quasímodo por Esmeralda, às labaredas...

A catedral conta um bom pedaço da história do catolicismo europeu e da própria França. Sua conturbada construção se deu entre 1163 e 1345 num sítio da île de la Cité, às margens do Sena, também tido como sagrado por celtas e romanos. Ao longo dos séculos, foi alterada ao gosto dos estetas e dos políticos, muitas vezes saqueada e vandalizada, como na 2ª Guerra Mundial, quando vários dos seus vitrais foram destruídos por bombas. Assistiu à morte de templários, à coroação do rei inglês Henrique VI durante a Guerra dos Cem Anos, à sagração de Napoleão e Josefina como imperador e imperatriz da França e à beatificação de Joana D'Arc. Desde 1991 é considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. Feita para a oração, hoje é monumento de todos.

Súbito, de todos os lados, partiram reações ante a tragédia. O governo francês, acusando grave liseira, prometeu realizar um concurso de arquitetura para a restauração da igreja. O Vaticano, até agora, permanece calado, talvez aguardando uma posição da Arquidiocese da Cidade-Luz, que cobra ingresso da multidão de interessados em visitar as torres e a cripta do edifício, contudo também sem vontade de coçar os bolsos, tal como aqui acontece em relação aos bens imóveis católicos tombados pelo Iphan. Milionários gauleses, alguns donos de griffes famosas, logo trataram de juntar bilhões de euros num fundo voltado à recuperação da Mère des églises. Os revoltados de sempre disseram ser melhor usar o dinheiro para debelar as chamas da fome planetária. Babel...

Há pouco mais de sete meses, no (des)governo do vampiro, o Museu Nacional também ardeu, numa catástrofe anunciada que comprometeu a sua integridade física e destruiu quase todo o seu acervo. Até o momento, no (des)governo do que não nasceu para ser presidente, recolheu-se em doações apenas R$ 1,1 milhão para a recuperação da malsinada casa de cultura. Quanto ao assunto, o tal prócer afirmou que, apesar de ter Messias no nome, não é de fazer milagre, aproveitando ainda para reduzir o teto da Lei Rouanet. Na surdina, nossa elite já mostrou que está bem mais para cassoulet do que para feijoada. Os R$ 88 milhões que d. Lily Safra doou à Notre-Dame falam por si. Na mosca, caro Slavoj Zizek: "A indiferença nos afunda cada vez mais no pântano da estupidez".

 

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