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A ruína da maraponga
Foto de Romeu Duarte
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

A ruína da maraponga

Entre tantas notícias ruins, tenho acompanhado com tristeza e indignação o calvário das 16 famílias que moravam no Edifício Benedito Cunha, na simpática Maraponga. Há algumas semanas, o prédio, construído há sete anos sem as licenças dos órgãos competentes e ao arrepio da boa técnica arquitetônica e construtiva, desabou, inclinando-se para frente como um bêbado prestes a cair no chão, em razão do colapso dos seus elementos estruturais. Crônica de uma tragédia anunciada: há tempos, ao tomarem banho, os moradores assistiam à água servida deslizar para a sala em vez de descer pelo ralo. Desafio à lei da gravidade? Não, o famoso jeitinho brasileiro, aqui travestido de pura gambiarra alencarina, o efeito da associação da improvisação com a falta de fiscalização.

Perdeu-se tudo: móveis, eletrodomésticos, vestuários, utensílios vários. Carros foram esmagados pelo desabamento do prédio sobre o pilotis. Os residentes, todos inquilinos, tiveram que sair às pressas com a roupa do corpo para não se transformarem em entulho. A vizinhança também foi afetada pelo sinistro: 15 casas do entorno da infausta edificação tiveram que ser interditadas face à possibilidade desta ruir sobre elas. E tome revolta, protesto, polícia, cordão de isolamento, caros advogados em ternos garbosos, muitas lágrimas e ranger de dentes. A menina que chora o cachorro esquecido, o menino que lamenta o canário que lá ficou, o homem da camisa amarela sentado na beira da calçada, o olhar fixo no prédio torto, a senhora de mãos trêmulas, o gato que escapuliu.

Recentemente, na comunidade da Muzema, situada na zona oeste do querido e maltratado Rio de Janeiro, 24 pessoas morreram soterradas pela queda de dois prédios construídos irregularmente. Lá como cá, a situação dos donos e promotores imobiliários é a mesma: encontram-se nos manjados e confortáveis locais incertos e não sabidos. A catástrofe carioca tem um curioso plus: os edifícios foram bancados pelas milícias, castas criminosas que dão apoio e são apoiadas pelo bozo e os seus filhotes desbocados. Os habitantes dos imóveis restantes, sem ter para onde ir e entre os cacetetes dos policiais e os rifles dos milicianos, pranteiam calados a sua impotência mantendo-se em seus lugares. E assim segue a humanidade, coberta de caliça e poli-traumatizada na maca...

A análise é simples, para não dizer simplória: uma cidade, como esta Loura Feita nas Coxas do Sol, que ostenta mais de 90% de irregularidade construtiva e o não emprego de arquitetos e engenheiros em suas edificações, é algo fadado a conviver perigosamente com a informalidade. Em Fortaleza, a lei de uso e ocupação do solo urbano só é respeitada nas áreas de forte interesse imobiliário. No resto do seu corpo, o pau que rola é a produção do espaço tocada de qualquer jeito, executada por leigos e sem a necessária vistoria do poder público municipal. O resultado é o que se vê a partir de qualquer janela: desmazelo construtivo, desconforto, insalubridade, riscos, a tríade vitruviana desconjuntada. Portanto, caro(a) leitor(a), construa certo, contrate um arquiteto.

Foto do Romeu Duarte

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