.NOS tantos caminhos e descaminhos do futebol, deparei-me com presidentes inesquecíveis que marcaram época no futebol cearense, tempos em que se jogava por amor à camisa, diferente de hoje, onde os empresários mandam e desmandam a ponto, pasmem, de a palavra final ser deles. Praga que o futebol infelizmente deu guarida. Pior que sem eles todos ficam de mãos atadas.

POR TELEFONE

.JOSÉ Elias Bachá foi um deles, época de ouro do Ceará. Dirigia o clube da sua loja na Floriano Peixoto, por telefone, e tinha em José Maria Fialho, o Fialinho, homem de confiança.

.BACHÁ usava tática infalível quando o Alvinegro perdia um título para o Fortaleza. Dia seguinte, para aplacar a ira dos torcedores, anunciava uma contratação bombástica, como a dupla João Carlos e Antônio Carlos. Partia do princípio que entre um título perdido e contratação de peso, o torcedor desviava sua atenção.

.ENCONTROU em Dionísio Torres Filho seu melhor vice, advogado ladino de voz mansa, dono de incrível dom do convencimento. Podem crer. Foi ele quem convenceu Bachá a ir ao PV pela primeira vez, na arquibancada, no meio da torcida. Como Bachá mal conhecia os jogadores, Dionísio ia lhe citando os nomes.

. "QUEM é aquele moreno claro que adora fazer gol?" E aquele zagueiro magrão que não deixa passar nada nem por cima nem por baixo? E aquele baixinho de quem ninguém toma a bola? Dionísio ia dizendo os nomes". Detalhe - o moreno claro a quem Bachá se referia era nada mais nada menos do que Gildo Fernandes de Oliveira, o maior ídolo alvinegro de todos os tempos.

OTONI, O DA ÚLTIMA PALAVRA

. ATÉ aparecer alguém que resolveu desbancar a fama do Bachá ou com ele concorrer. Chamava-se Otoni Diniz, eleito presidente do Fortaleza. Otoni tinha grana, do tipo que a última palavra (e a primeira também) era dele.

.TODA segunda o Tricolor se reunia no Pici. Mesa enorme e Otoni ali na cabeceira, ditando a pauta. Quando a discussão ficava acirrada e as opiniões divididas, Otoni batia na mesa e gritava -"Os lisos falam por último..."

FASE DE OURO

.FERROVIÁRIO teve também sua fase de ouro, quando um grupo de jovens engenheiros da antiga RVC resolveu assumir o grupo. Escolheram o chefe deles, Elzir Araripe Cabral para presidir o clube. Elzir pouco manjava de futebol, mas levou com ele o grupo formado por Ruy do Ceará, José Rego, os irmãos Pamplona, e outros mais. Entregou a Ruy o futebol. Primeira missão foi contratar um supervisor de futebol e ex-técnico Ivonísio Mosca de Carvalho, espécie de faz tudo no Ferrão. Mandou ele formar um time pra ser campeão.

.RUY se impunha pela moral e liderança. Resolveu contratar Urubatão Nunes, ex-jogador do Santos, técnico arrogante, daquele tipo que só ele sabia tudo, o resto, nada. Depois de uma derrota do Ferrão, em pleno vestiário, ele bradava - "Se não me derem os reforços que estou querendo, largo o time amanhã cedo". Ruy, que a tudo assistia, resolveu intervir -"Se é assim pode passar na tesouraria amanhã e acertar suas contas". Urubatão, perplexo, não quis acreditar. Dia seguinte foi chamado pelo tesoureiro Gilson Bruno pra receber o que o clube lhe devia.

GENERAL E O COMANDANTE

.FEDERAÇÃO Cearense de Desportos na época da revolução era dirigido pelo general Aldenor Maia, que depois passou a bola para o coronel Breno Vitoriano, pra evitar briga de vaidades entre Mário Degésio e Livio Amaro. Mas aí é outra história.

. GENERAL resolveu convidar o comandante da Marinha de então, um gentleman, para ir ao PV como seu convidado. O comandante aceitou. Por descuido qualquer, o general não viu o comandante chegar. Entrou na fila como um torcedor comum. Quando chegou sua vez de entrar, o porteiro barrou-lhe a entrada, mesmo ele dizendo quem era. O porteiro linha dura não quis papo. "Ou mostra o documento ou não entra".

.GENERAL Aldenor foi alertado, correu para o portão e passou um pito no porteiro. O comandante interveio -"Alto lá, general. O porteiro tem razão. Como ele iria saber quem eu sou se não mostrasse os documentos? Ao invés do carão, deveria receber elogios". E ele mesmo, comandante, ali na frente de todo mundo, rasgou elogios ao porteiro para espanto do general.

OS MARQUETEIROS

.DOIS presidente, um pelo Ceara (Franzé Morais) e outro pelo Fortaleza (Silvio Carlos) foram os inventores do marketing no futebol, quando nem se sabia o que era. Semana de clássico, bolavam uma briga fictícia pelos microfones das emissoras, cujo objetivo era encher o estádio. O pau cantava de um lado e do outro. Chegaram até mesmo a apostar um carro, claro, nunca existiu para quem fosse ganhador.

.FRANZÉ criou o famoso "Baú" para cognominar a torcida alvinegra, enquanto Silvio criou o slogan "Clube da Garotada" que perdura até hoje, ao lado do inesquecível José Raymundo Costa, o seu Costa de todos nós, uma saudade sem fim.