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Zeon Zoysia
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Escritora. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). É autora de Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras)

Ana Miranda crônica

Zeon Zoysia

Tipo Crônica
1906anaMIRANDA (Foto: 1906anaMIRANDA)
Foto: 1906anaMIRANDA 1906anaMIRANDA

Desabam as abençoadas chuvas, tão esperadas, amadas, vêm reverdecer paisagens secas, limpar as ruas, o ar, dar banho nos passarinhos, nos telhados. As chuvas levantam um cheiro de terra molhada, lençóis subterrâneos se fartam, açudes sangram, gotas brilham na asa da abelha, as árvores parecem dançar. Canta a natureza, florescem de amarelo e mel as catingueiras do jardim, sorri a buganvília tão explosivamente bela. São as águas de março fechando o verão.

Diferente para quem está na cidade. Bastou uma noite de chuva e Fortaleza se alagou. Carros dão prego aqui, ali só passam caminhões, acolá um pedestre se arrisca na água suja, o lixo navega, abrem-se crateras, um ciclista segue sem ver os buracos. Raul Barbosa, Jangadeiros, Raimundo Girão, Osvaldo Cruz, Via Expressa, Doutor Theberge, José Bastos, Carlos Vasconcelos, Brigadeiro Torres... A Beira Mar fica parecendo o mesmo mar em dia de ressaca. Na Praia de Iracema há alagamentos por todo lado. Ainda bem que a índia Iracema sabe nadar.

Esqueci de dizer, estou morando novamente numa praia distante. Há cerca de duas semanas plantei aqui um gramado em torno da casa nova. De folhas mais finas e curtas que as da esmeralda, de um verde mais profundo, a grama tem um nome incrível: Zeon Zoysia. É rude, fácil de adaptar-se. E a produzem aqui mesmo no Nordeste, o que para mim é fundamental. O mestre Damião mandou plantarmos a grama para prevenir alagamentos.

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Os dias passavam, nada de chuva, a grama se ressentia. Tentei de tudo. Acendi vela na janela ao lado de um copo d'água, rezei a são Pedro, "rogo que envie a bendita chuva para que o campo volte a florir, as árvores possam frutificar, nossa alma possa se acalmar e em nossos rios possamos navegar"... Contei formigas, abri guarda-chuva dentro de casa, vesti roupa branca, cantei à Lua cheia... Mas a chuva não caía, nuvens negras empurradas pelo vento desapareciam no horizonte, o gramado a cada dia ressecava mais. Cheguei a sonhar que chovia. Dizem que sonhar com chuva significa mais compreensão da vida, abertura de mundos novos. Renovação, enfim. Mas, na realidade, nada de aguaceiro. Até que, uma noite, acordei com um rumor nas telhas. Era a bem-aventurada, fecunda, abençoada chuva. Deus fez, em três segundos, o que eu demorava três horas.

Aleluia! A chuva mantém vivas a flora e a fauna, regula a temperatura da Terra. Sem a chuva não há rios, não há lagos, não há agricultura nem indústria, não há vida. Mesmo sabendo que existem oceanos de água doce debaixo da água salgada, temos pouca água doce no planeta.

Estamos planejando construir um sistema de recolhimento da sagrada água da chuva. Simples: calhas no telhado, cacimba, uma bomba. É a água mais pura que existe, diz o amigo Aldo, engenheiro hidráulico. Muitas casas por aqui, sobretudo as mais simples, têm uma cisterna de placas fornecida pelo governo. Basta uma dessas chuvas para encher a cisterna. A água pode ser usada para quaisquer fins, e se tiver tratamento pode ser consumida. O sistema tem retorno garantido, dá autonomia a uma casa. Basta rezar: Ah são Pedro rogo que nos envie a bendita chuva....

Foto do Ana Miranda

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