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O Brasil deve encabeçar a transformação dos sistemas alimentares
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Fundador e atual Presidente do Instituto Brasil África. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará com Pós-doutorado em relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB). É professor visitante em universidades brasileiras e africanas e Associado Internacional Sênior do Centro de Estudos Africanos, Latino-Americanos e Caribenhos (CALACs) da Jindal Global University (Índia). Em 2018, recebeu a Comenda da Ordem de Rio Branco, distinção concedida pelo governo brasileiro, em reconhecimento aos seus méritos na promoção das relações entre o Brasil e a África

Bosco Monte opinião

O Brasil deve encabeçar a transformação dos sistemas alimentares

Cúpula que está sendo organizada pela ONU pode aprender com os exemplos do País nos últimos anos nos seus vários esforços para ampliar a segurança alimentar da população

 inquestionável o fato de ser o Brasil referência em agricultura, pecuária e produção de alimentos; há 50 anos, a Embrapa coloca o país na vanguarda do desenvolvimento de soluções para o campo, nos conferindo a inegável condição de potência agroindustrial.

Mais recente, contudo, é a experiência do Brasil na superação da fome e da má-nutrição, um pesadelo que desde a sua fundação assombra o país e, parecendo superado no início do século, já dá seus sinais de retorno. Há como superarmos essa dicotomia de uma vez por todas?

O Secretariado da Cúpula dos Sistemas Alimentares, em conjunto com campeões, lideranças e especialistas de todo o mundo, elencaram cinco pontos que devem ser abordados para a construção de sistemas alimentares mais sustentáveis ao longo da próxima década: (1) Garantia do Acesso a Alimentação Saudável, Segura, Sustentável para Todos; (2) Padrões de Consumo Saudáveis e Sustentáveis; (3) Produção em Escala de Alimentos Positivos para a Natureza; (4) Promover o Sustento e a Distribuição de Valor Equitativa (5) Construção de Resiliência contra Vulnerabilidades, Choques e Tensões.

Em 2030, espera-se que o mundo tenha erradicado a fome.

Durante o Diálogo Nacional da Cúpula dos Sistemas Alimentares, promovido pelo Governo do Brasil como trabalho preparatório, foram postas em evidência as propostas brasileiras.

Ao que me parece, o Brasil aposta em três metas.

Primeiro, consolidar-se como uma potência agroambiental, comprometida com o fornecimento de bens agropecuários em escala global, sem colocar em risco seus recursos naturais no longo prazo.

Segundo, acabar de vez com a dupla carga de má nutrição no país, combatendo ao mesmo tempo a subnutrição e a obesidade.

E terceiro, modernizar a economia brasileira para comportar mecanismos eficientes de distribuição de renda, proteção socioambiental e produção, circulação e consumo de alimentos.

A primeira meta não deve ser difícil, uma vez que o Estado vem há décadas se preparando para que agricultura e natureza sejam conceitos em harmonia, não em conflito.

A cada ano, o Plano Safra injeta bilhões de reais tanto no agronegócio quanto na agricultura familiar, incentivando a modernização agrícola em bases sustentáveis.

Na linha de frente, o Plano ABC propugna por uma agropecuária com reduzida emissão de gases do efeito estufa, com programas de mitigação das mudanças climáticas que injetaram US$20 bilhões em financiamento para agricultura sustentável e recuperaram 26 milhões de hectares de pastagens degradadas; renovado para a década 2021-2030, as expectativas são de que o país avance a passos largos rumo à sua primeira meta.

As dificuldades encontram-se no campo da proteção florestal, na medida em que o Governo Federal tem reduzido o fluxo de repasses para o MMA e órgãos como o Ibama e o ICMBio - somente em 2021, presenciamos um corte de R$ 240 milhões no orçamento da pasta.

São poucas, marginais e passageiras as forças que apostam em uma agropecuária predatória e em uma fiscalização ambiental débil; pior, não compreendem os malefícios que causam ao setor primário brasileiro.

Quanto à segunda meta, talvez caiba maior preocupação. O Brasil desenvolveu, na década de 2000, um amplo e compreensivo esforço de combate à fome e à miséria, encabeçados pelo recém-criado Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome.

O Programa Fome Zero é, sem sombra de dúvidas, o seu mais célebre componente, reconhecido internacionalmente e replicado em diversos países. Não por acaso o Brasil sedia um dos três únicos Centros de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP), cujo trabalho gira em torno do estudo, da replicação e do escalonamento de boas práticas do Brasil no combate à fome em outros contextos.

Uma sofisticada arquitetura de agências e políticas públicas foi estabelecida, centrada no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e com múltiplas faces, desde o Programa Cisternas até o PAA, o PNAE, as Cozinhas Comunitárias e os Guias Alimentares.

Há meia década, contudo, essas conquistas vêm sendo postas em xeque, com o desequilíbrio de incentivos voltados às cadeias exportadoras face às cadeias de suprimento doméstico, bem como a extinção ou redução de ações governamentais que buscam democratizar o acesso ao alimento básico e de qualidade.

A terceira meta é, em larga medida, consequência das metas anteriores. O Brasil demonstrou, e segue demonstrando, uma capacidade ímpar de atuar no combate à pobreza e à desigualdade e avançar com o empreendedorismo jovem, inovador e sustentável.

O Programa Bolsa Família e o Auxílio Emergencial visam dar conta das pressões socioeconômicas que geram desemprego e ameaçam a segurança alimentar das famílias brasileiras. Ao mesmo tempo, o setor privado alavanca novas iniciativas focadas em descarbonização, reciclagem, energias renováveis, reflorestamento e economia circular. Conciliando-se uma cadeia de valor de alimentos que seja sustentável do início ao fim, da produção rural ao acesso à comida, atingir-se-ão sistemas alimentares mais resilientes.

Evidentemente, ações concretas contam muito mais do que declarações vazias. Foram necessários esforços sem precedentes na história mundial para que se construísse o que muitos consideram como o sistema agropecuário mais sofisticado da atualidade, assim como para levantar uma população de 200 milhões de habitantes da miséria e da fome. Foi uma jornada de superação que o país deve não só se orgulhar, mas compartilhar incessantemente.

A Cúpula dos Sistemas Alimentares é essa oportunidade.

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