Caroliny Braga é jornalista, comunicadora participativa, mestra em Comunicação, pesquisadora em mídias e práticas socioculturais. Dedicada ao estudo de meios e processos comunicacionais, dá cabimento à coisa de escutar mais do que ouvir e ao risco e à delícia que é contar histórias
Nossa terra tem Oliveiras. Nela, é capaz de tudo dar
Bianca Oliveira, moradora da zona rural de Jaguaribe, centro-leste cearense, tem trajetória marcada por atividades inovadoras e personalizadas, acesso coletivo à tecnologia e a outras oportunidades e pelo empreendedorismo feminino transversal à política pública
Oliveiras sempre me tocaram profundamente. Por suas folhas que persistem, por sua fertilidade graúda, por terem poder de cura e pelo labirinto bonito que suas curvas formam. Oliveiras me chamam atenção ao ponto de me deixarem devotada a toda Oliveira que me chega. Não foi diferente com Bianca. Bianca Oliveira!
Moradora da zona rural de Jaguaribe, centro-leste cearense, Bianca saúda e tem benquerença pelas atividades rurais primárias ao mesmo passo que se veste dum contente ao dizer da chegada de grandes empresas à sua zona, ao mencionar novos olhares e investimentos a espaços que são tidos originalmente como agrícolas.
E eu notei isso nela quando, logo no início da conversa que tivemos, ela guinchou sua voz a um tom grave e caloroso e deixou mais erguido todo seu dorso. Notei isso nela quando Bianca se aprumou na cadeira e me perguntou:
- Você sabia, Carol, que tem, hoje, em Jaguaribe, e não é na sede, um pequeno polo industrial?
- Não. Não sabia.
- Pois tem! E ele fica na minha zona rural, no meu distrito! Fica na minha comunidade.
- E é?
- É. E sabe o que isso e outros investimentos trazidos por políticas públicas são capazes de fazer?
- Quê?
- São capazes de mudar o êxodo! A gente pode seguir no lugar da gente, sendo o que quiser ser, trabalhando com o que quiser trabalhar. As práticas de produção da agropecuária nos fizeram, mas nós somos e podemos pra além delas!
Foto: Bianca Oliveira
Arte feita por Bianca Oliveira, segundo ela, a imagem fala sobre seu empreendedorismo e sua persistência
Bianca tem uma irmã com mais idade do que ela. Foi morar em São Paulo, cidade mais populosa do Brasil, da América e do Hemisfério Sul. À capital paulista, primeiro foi uma tia, depois, essa irmã. Ambas filhas de Jaguaribe, da mesma zona de Bianca. Ambas personagens do êxodo rural mencionado por ela, saíram de casa a preço de permuta por novas oportunidades.
Mas Bianca não quis semelhante deslocamento. “Eu aplaudo a coragem e a determinação delas. Mas o meu sonho eu queria e sentia que realizaria na minha comunidade. E, além de eu me movimentar muito pra que isso acontecesse, eu comecei também a notar mudanças e incentivos chegando”.
Ela tem duas graduações, é historiadora e pedagoga. Tem pós em Gestão de Aprendizagem e Educação Cognitiva. Alcançou as três formações via Ensino à Distância (EAD) e Programa Universidade para Todos (Prouni).
Tem, hoje, 23 anos de idade, e, desde os 16, 17, trabalha com novas tecnologias, papelaria, defende o associativismo, incentiva o empreendedorismo feminino na região. E foi na sala da casa de seus pais que, ainda universitária, Bianca começou a gerir seu negócio.
Foto: Arquivo pessoal
Primeira foto feita por Bianca de seu antigo endereço de trabalho, a sala da casa de seus pais
Filha da comunidade Sítio Ipueiras, que fica em Feiticeiro, um dos quatro distritos de Jaguaribe, ela presenciou, por diversas vezes, seus vizinhos fazerem verdadeiras viagens para imprimirem um papel de luz, um documento de trabalho, uma atividade escolar.
“Meu Deus do céu, não estava certo aquilo!”. Foi a partir dessa inquietação que Bianca abriu um pequeno negócio, na sala de casa, com um computador doado e uma impressora que comprou com sua mãe. Com um valor que recebeu pelo censo demográfico realizado junto à equipe de assistência social da prefeitura de Jaguaribe, Bianca ergueu um novo cômodo em sua casa, para abrigar alguns itens daquela sua nova organização.
Assim, ela passou a imprimir documentos para o pessoal da região, a fazer topos de bolo e a produzir as primeiras tiragens de suas agendas personalizadas.
“Aquilo foi ‘um boom’ pro pessoal de Feiticeiro e pra mim”. O sucesso foi repentino, mas não surpreendente, tamanhas eram a vontade e a determinação da jovem em ver o desenvolvimento daquelas novas atividades na sua região. Parida por resoluções locais; por oportunização pioneira; por iniciativas capazes de preencher vazios, Bianca foi atrás de fortalecer vínculos com políticas públicas.
Foto: Arquivo pessoal
Bianca em sua empresa
Aqueles dois cômodos e aqueles primeiros equipamentos estavam estreitos para a produção em grande escala dos sonhos dela.
Foi quando ela soube, há uns quatro anos, que o governo do estado do Ceará iria, pela primeira vez, estender as estratégias e o alcance do projeto São José a iniciativas de jovens da zona rural, incluindo, inclusive, a juventude com iniciativas não agrícolas. Ela notou que tinha ali um azeite, e fez dele combustível e alimento pra sua história.
“Não pensei duas vezes, participei de um encontro que o governo fez pra explicar tudo. O pessoal que quis participar recebeu um auxílio pra assistir a umas capacitações do projeto em Limoeiro do Norte (cidade vizinha). Eu estava no meio desse pessoal. E foi muito enriquecedor. O intercâmbio de conhecimento foi incrível, ver nossas forças e planos chegarem a outros lugares foi muito legal. Contar e ouvir iniciativas é meio que coisa benta pra mim”.
Naquele certame do São José para jovens, foram 1.200 inscrições em todo o Estado. E o projeto de Bianca para fomentar sua pequena empresa de papelaria personalizada ficou entre os 300 selecionados. O valor a fundo perdido disponibilizado pelo projeto possibilitou à ela a compra de novas máquinas e impressoras mais modernas e com maior capacidade de reprodução.
Foto: Arquivo pessoal
Bianca e equipe do projeto São José
“Aí, era os equipamentos chegando e eu pensando ‘onde colocarei tudo isso?’ Passei por capacitação, fui instruída, mas, mesmo assim, cometi equívocos. Eu precisava ter investido, antes, em um espaço mais adequado pra minha empresa”. Mas Bianca conta que não se desesperou.
Segundo ela, empreender é aprender a superar barreiras. “E eu me orgulho muito de conseguir agir assim: eu sei pular cada obstáculo que aparece em minha vida, aprendi a saltar barreiras”.
Uma vizinha de Bianca colocou uma casa à venda. Bianca tentou fazer um financiamento para que aquela casa fosse sua. Mas não conseguiu. Na época - ainda empreendedora informal, muito nova, sem posses - o banco negou aporte a ela.
“A informalidade tem suas questões, né? Conseguir uma linha de crédito, por exemplo, sendo dessa modalidade é quase impossível. Mas eu tinha e tenho meus pais. Eles fizeram um empréstimo no nome deles, eu consegui comprar a casa. Dei, ali, outro grande passo”.
Foto: Arquivo pessoal
Novo endereço de Bianca
E o negócio ganhou endereço próprio. Saiu da sala da casa de seu José Maria (pai de Bianca, apicultor) e de dona Herleide (mãe de Bianca, tesoureira da associação local e professora - formada só depois das filhas já criadas). E foi bem para entrada da comunidade, rente à escola da região.
Contudo, o empréstimo cobriu apenas a compra do novo espaço. Espaço que chegou às mãos de Bianca pedindo reformas urgentes. “Eu entrei com minhas máquinas. Mas precisava estruturar muita coisa. E eu fui, então, atrás de uma nova saída pra essa nova fase. Se tem política pública, ela vai ter que me abraçar de novo!”.
Com esse desembaraço e confiança, Bianca bateu na porta do governo do Estado novamente, e solicitou o Ceará Credi, programa que concede crédito e capacitação a microempreendedores.
Ela já requereu o suprimento por duas vezes. Em ambas, foi atendida. E, com tais valores - com provento de um trabalho de cirandeira desenvolvido por ela em sua comunidade para o Programa Manuel Querino, do Ministério do Trabalho e Emprego - e com as mãos dadas da irmã, das tias, mãe e pai, Bianca fez toda a parte elétrica, piso, pintura, bancadas, instalou novas portas.
Foto: Arquivo pessoal
Mãe e irmã de Bianca, Bianca e seu pai
Bianca conta que foram noites acesas, para dobrar serviço, fazer mais clientes, lastrear o nome de seu negócio.
“Eu estava vendo tudo aquilo indo pro patamar dos meus sonhos. Mas eu tinha empréstimos pra pagar, meu nome e o de meus pais pra honrar. Era preciso dobrar o meu trabalho. E foi o que fiz!”. A firma Impressos da Bia estava posta. Uma pequena empresa que é uma grande aposta num anseio possante, resistente que, hoje, é formal, real e que, apesar de individual, impacta coletivamente.
“O movimento do empreendedorismo feminino é minha paixão. Eu me incomodo em ver as coisas dando certo só pra mim. Eu quero muito alavancar outras mulheres, no sentido de sermos mais unificadas, de estarmos em conjunto. Por mais que a gente tenha associação na minha comunidade, a gente é carente de associativismo. Quero muito seguir contribuindo com esse fortalecimento”.
Bianca está em todo edital que apareça, em toda formação, conferência, qualificação profissional e social que incluam essas temáticas que fazem seu corpo e sua alma vibrarem. Além disso, ela tem sempre arrumado um jeito de vincular seus ideais à aprendizado, dinamismo, visão perspicaz, geração de empregoe renda.
Foto: Arquivo pessoal
Bianca e outros beneficiados do Projeto São José, em evento de capacitação
Nesta semana, por exemplo, Bianca esteve em Fortaleza, capital cearense, participando da 4ª Conferência Estadual de Economia Popular e Solidária do Ceará.
Ao lado de representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, da Cáritas, da Rede Cearense de Socioeconomia Solidária, de vários pesquisadores, Bianca participou ativamente de diálogos propositivos e identificadores de prioridades e estratégias para o avanço local da economia solidária.
“E integrarei a delegação que representará o Ceará, em Brasília, no mês de agosto, na Conferência Nacional de Economia Solidária. Eu estou sem me conter de tanta alegria!”.
Atualmente, Bianca tem grandes e constantes clientes. Eles são da sua zona rural, do seu distrito, de seu município, do seu estado, de outros estados brasileiros.
“Nós não enviamos mais nossos produtos só por topic, Carol, nosso envio, agora, é também por correio! E olhe que a gente nem tem focado tanto nossas vendas no digital. Nossa comercialização tem sido muito na base da boa indicação, o boca a boca tem sido nosso maior catálogo”.
Bianca tem a intensidade duma Oliveira, das Oliveiras que têm me tomado ao longo de minha vida. É vivedoura, incessante, não arreda por nada, não sucumbe, foi feita pra não expirar. Bianca é profunda, pensa pra além, não há o que a oprima. Carrega o sagrado da coisa inventiva, curativa, fecunda e espalhada. E é humana.
“Eu canso, viu, sou de ferro não. Mas eu tenho fé e não baixo minha cabeça. Eu sei que tenho capacidade, eu sei que, amanhã, terei ainda mais… Seja no meu lugar, enraizada, ou seja voando, caso, um dia, eu queira”.
Foto: Arquivo pessoal
Bianca com uma de suas frases mais usadas
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