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"Pajeú": Fragmentos de um riacho e de um filme
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

"Pajeú": Fragmentos de um riacho e de um filme

Longa cearense "Pajeú", dirigido por Pedro Diógenes, busca reconstruir a memória do riacho-título equilibrando-se entre didatismo e sensorialidade
Tipo Opinião
O longa cearense 'Pajeú' aborda o desaparecimento do riacho-título, importante para a história da construção de Fortaleza, misturando elementos ficcionais e documentais (Foto: reprodução)
Foto: reprodução O longa cearense 'Pajeú' aborda o desaparecimento do riacho-título, importante para a história da construção de Fortaleza, misturando elementos ficcionais e documentais

Antes da areia das dunas “invadir” rodovias ou a água de riachos alagar casas e outros locais no período das chuvas, foram as dunas e riachos que tiveram seu lugar tomado. O aprisionamento de elementos naturais de Fortaleza na construção da cidade ao longo dos séculos é a motivação norteadora do filme cearense “Pajeú”, dirigido por Pedro Diógenes e disponível em exibição on-line no território brasileiro dentro da programação do 9º Olhar de Cinema. A partir da figura ficcional de Maristela (Fátima Muniz), uma professora angustiada por pesadelos e incômodos emocionais, a obra desvela circunstâncias históricas do minguar do riacho-título e cria sequências sensoriais a partir dos fatos. O filme está disponível no evento hoje, 10, e ficará novamente acessível ao público na quarta, 14.


Teaser Pajeú from Embaúba Filmes on Vimeo.

Começando numa chave de suspense, quase terror, o longa estabelece sua premissa com Maristela observando parte do que restou do Pajeú na paisagem urbana, onde ela vê uma criatura se levantar das pedras do riacho. A sequência rapidamente revela-se um pesadelo e a professora vai para a lida ainda impactada com o que sonhou. Conectando as sensações do próprio desconforto à situação do ínfimo curso d’água, ela decide se aprofundar numa pesquisa sobre o Pajeú. Entra, aí, o caráter documental do longa.

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Maristela, então, vira uma personagem-dispositivo cuja função é empreender uma investigação para apresentar ao espectador informações sobre o riacho. O método é bastante parecido com o de outra produção cearense recente - o documentário “Currais”, de Sabina Colares e David Aguiar, que se utiliza das inquietações ficcionais de um personagem também inventado para apresentar a história dos campos de concentração no Ceará.

É a partir dessa escolha narrativa que surge o didatismo da produção. Os momentos informativos vão de uma colega de trabalho explicando à Maristela que foi às margens do riacho que Fortaleza foi erguida ao destaque à página de Wikipedia sobre o Pajeú. Avançando para além de fatos mais básicos, o filme apresenta também encontros da personagem com pesquisadores, moradores de localidades impactadas pela situação do Pajeú, documentos e locais históricos. Em meio a esta base central, há também espaço para construções ficcionais que procuram refletir as descobertas. 

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O didatismo encontra lugar também na forma. As imagens e a concatenação entre elas reforçam a já explícita intenção de "Pajeú" de criar mimetismos e espelhamentos entre o riacho e a protagonista. Não são poucas, por exemplo, as cenas da personagem próxima a diferentes fontes de água ou os enquadramentos dela entre grades ou “comprimida” no plano, em alusões evidentes ao soterramento e à canalização do curso d’água. Uma ideia de fato sugerida, porém, destaca-se: a de que, ao empreender pesquisa sobre o Pajeú, Maristela está em processo de autodescoberta; daí, buscando alargar as leituras e os entendimentos possíveis, há um discurso do filme a favor da necessidade da Cidade conhecer e reconhecer ao riacho e à própria história.

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Para além das construções de discurso contra a especulação imobiliária e pelo respeito à natureza e às comunidades tradicionais - ao ser questionado se tem medo de desaparecer, um personagem da parte documental da produção divide: “não, eu tenho medo que desapareça o Poço da Draga” -, “Pajeú” elabora reflexões sobre esquecimento e desaparecimento, bem como procura antídotos a estes. Em uma das conversas de Maristela com pesquisadores, sai um dos diálogos mais inspirados neste sentido. Nela, a especialista da vez divide com a personagem o percurso da própria pesquisa histórica sobre o riacho e termina confessando aspectos íntimos ligados ao gesto de reconstrução que empreende.

Com poucos documentos e arquivos oficiais sobre o Pajeú disponíveis, sobram os restos do riacho e é a procura por eles que motiva - memória e esquecimento coexistem, afinal. “A gente vai juntando uns fragmentos tentando, sei lá, reconstituir também uma coisa da gente. Deve ter alguma coisa, aí, pra tentar entender. Ainda não entendi", reconhece. "Reconstituindo ele, quem sabe a gente se reconstitui também”, reforça. Apesar do caráter algo melancólico do gesto, há nele também uma centelha de afirmação. “Tem coisa aí pra encontrar”, acreditam ela e a obra. Filme de fragmentos sobre um riacho em fragmentos, “Pajeú” se constitui justamente pela crença no gesto da busca.

Pajeú

Quando: disponível ao longo do sábado, 10, e na quarta, 14, a partir das 6 horas
Onde: na programação da 9ª edição do festival Olhar de Cinema
Quanto: R$ 5
Mais informações: www.olhardecinema.com.br/

Foto do João Gabriel Tréz

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