Logo O POVO+
Homens invisíveis
Foto de Daniel Maia
clique para exibir bio do colunista

Daniel Maia é professor doutor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará (UFC), sendo também advogado criminalista e colunista semanal do O POVO

Daniel Maia opinião

Homens invisíveis

Tipo Opinião

A escritora judia Hannah Arendt conta-nos em seu livro A condição humana que a primeira violência que os nazistas faziam com os judeus quando estes chegavam aos campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial, era substituir seus nomes por números, os quais eram tatuados em seus braços e, a partir de então, tais prisioneiros passavam a serem chamados por esses números e nunca mais pelos seus nomes.
Segundo Hannah Arendt isso era feito para começar o processo de coisificação daqueles judeus, os quais começavam, assim, a perder a natureza humana e serem transformados em qualquer coisa, mas não em um ser humano e, dessa forma, perdiam a sua dignidade, não passando mais de meras silhuetas sem nomes, apenas sombras do que foram um dia.
Os fatos acima narrados são indiscutivelmente cruéis e avassaladoramente tristes, compatíveis com as monstruosidades feitas pelos nazistas naquele sombrio período da história humana.
Entretanto, quantos de nós, diariamente, também, aos poucos, não vamos tirando a personalidade de diversas pessoas que nos cercam e fazem parte do nosso cotidiano?
Fazemos isso até mesmo em um movimento quase que automático de desprezo pelo próximo quando não damos bom dia para o nosso porteiro ou quando não cumprimentamos o nosso zelador ou quando ao sair dos lugares não nos despedimos com doçura das pessoas que estavam no mesmo ambiente que nós, como um elevador ou uma recepção de algum consultório.
Esses atos de coisificação humana vão também nos coisificando, pois muitos de nós passam a somente conseguir se comunicar amavelmente com pessoas no mundo virtual, as quais nunca nos viram ou nunca se verão pessoalmente, enquanto não conseguem se relacionar nem mesmo com um simples “bom dia” ou “boa tarde” com seres humanos de verdade, afinal de conta quem garante que aquele “amigo” no Facebook existe mesmo?
Nesse contexto, várias pessoas vão se tornando invisíveis sociais, pois não são reconhecidos com um tratamento minimamente digno por diversas pessoas que simplesmente não os cumprimentam ou fazem de conta que não os viram. Isso acontece mais ainda com pessoas que exercem profissões com menos prestígio sociais, a exemplo de garis e catadores de lixo, que passam a ser os judeus urbanos de países com pessoas mal educadas.
Essa realidade é triste e vergonhosa, pois certamente não gostaríamos de estar no lugar inverso e ser ignorados por quem quer que seja.
Assim, evitemos a nossa própria coisificação.

Foto do Daniel Maia

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?