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Entre caixões e covas: as imagens chocantes
Foto de Daniela Nogueira
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Jornalista (UFC-CE) e licenciada em Letras (Uece), é doutoranda em Linguística (PPGLin-UFC), mestra em Estudos da Tradução (UFC-CE), especialista em Tradução (Uece) e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio). No O POVO, já atuou como ombudsman, editora de Opinião, de Capa e de Economia, além de ter sido repórter de várias editorias. É revisora e tradutora.

Entre caixões e covas: as imagens chocantes

Tipo Opinião

Foram disseminadas, ao longo da semana que passou, as imagens assustadoras das valas comuns em Manaus (AM), que a administração local está chamando de trincheiras. Foram abertas para enterrar as vítimas do novo coronavírus na capital do Amazonas, uma das regiões mais cruelmente afetadas pela Covid-19 no País.

As imagens das "covas de Manaus", no cemitério público Nossa Senhora Aparecida, têm-se espalhado pelo Brasil e aterrorizado a população. Impossível não se emocionar diante das cenas de valas coletivas constantemente abertas por retroescavadeiras, que se somam às sepulturas existentes, demarcadas por cruzes.

Perfis de jornais nas redes sociais, noticiários televisivos e edições impressos mostram as imagens com frequência. O POVO inclusive. Uma das cenas esteve na capa do jornal impresso de quarta-feira, 22/4, com o título "Manaus começa a fazer uso de valas coletivas". Imagens semelhantes têm acompanhado matérias do O POVO.

Alguns veículos usam drones para registrar as imagens aéreas tamanho é o afã por exibir o ambiente. É certo que usar essas fotos é uma forma de transmitir a realidade, de mostrar uma cena que é verdadeira, de publicar uma informação. Aos negacionistas, que ainda desacreditam na existência do vírus, ou em seu alto potencial de contaminação, é um motivo adicional para expor a gravidade da situação.

No entanto, a publicação de imagens violentas como essas é capaz de causar traumas terríveis a leitores e demais jornalistas, dentro da já delicada situação de vulnerabilidade e tensão em que se vive.

Impacto

Sabemos que a publicação das cenas impacta, choca, emociona. Quando se decide publicar uma imagem como a das covas de Manaus ou das valas abertas de São Paulo, a intenção é provocar um apelo emocional. É proposital. Chama-se atenção para a questão social, mas se prende o público também para o sensacional.

Em meados de março, o Brasil já se horrorizava com os caixões enfileirados na cidade de Bergamo (na Itália), com os caminhões do Exército levando os cadáveres para os crematórios da região. Comove e sensibiliza, porque é triste, pois fúnebre. Beira o inimaginável. Quando se aproxima de nós, aqui, no nosso país, fica ainda mais deprimente.

Não é raro ver, no noticiário local, nas matérias dos jornais, nos perfis dos veículos nas redes sociais e nas matérias pela TV, imagens nervosas nas saídas das emergências dos hospitais, caixões sendo levados pelos carros das funerárias, macas saindo das ambulâncias, gente desmaiada e familiares correndo por socorro. Cenas que têm sido corriqueiras, porque vivemos em situação de guerra, mas que não podem ser banalizadas, simplesmente porque a publicação das imagens violentas não deve ser algo trivial. Quantos conhecidos seus já evitam os noticiários porque não suportam mais ver essas cenas?

Na semana que passou, um leitor entrou em contato incomodado com a publicação que fizemos sobre o "isolamento social", na qual usamos como imagem dois homens colocando um caixão em um carro de funerária. Ele se disse "nauseado" com o noticiário, que não se restringia a informar os casos: "Os noticiários fazem questão de mostrar cenas desnecessárias, como esses caixões, numa matéria sobre isolamento social, veja só. É deprimente ver o sensacionalismo na busca de audiência".

É preciso entender que não há uma regra para a publicação das imagens, mas cada caso deve ser analisado. Em uma situação atípica, como a que estamos vivendo, é necessário muito mais equilíbrio ao discutir a intenção antes de publicar a imagem e republicar e republicar.

Temos veiculado inúmeras matérias tentando ajudar as pessoas a driblar o desequilíbrio emocional e a angústia nestes tempos. Em contrapartida, somos capazes de causar traumas indiretos pela intensidade da visualização de imagens publicadas tão somente para chocar.

A abertura das valas coletivas é uma informação, é uma notícia. E a recorrente publicação das cenas de valas coletivas a cada matéria sobre coronavírus? E a frequente veiculação de imagens de centenas de covas abertas a cada matéria sobre os casos da Covid-19? E a constante publicação de cenas de caixões à saída dos hospitais nas matérias sobre o atendimento? Há um parâmetro ético que devemos respeitar.

O Jornalismo e os jornalistas precisam refletir sobre a informação a ser transmitida e o lugar em que imperam o pânico e o horror. Não é nele em que devemos estar

 

Foto do Daniela Nogueira

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