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Literatura e terapia
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

Literatura e terapia

Qual o papel da escrita literária? Uma resposta possível: permite o encontro de outros caminhos afetivos a quem lê e a quem escreve e isso tudo nos faz bem
Tipo Crônica
A arte e o método de publicar livros (Foto: Ilustração)
Foto: Ilustração A arte e o método de publicar livros

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Há uns meses descobriram que escrevo livros infantis e me perguntaram se a literatura é uma terapia.

Creio que não. Terapia é algo bem mais íntimo, mas, sem dúvida, a literatura pode ser terapêutica.

Acho que todos concordam que somos seres que gostam de histórias. Quem sabe seja isso que verdadeiramente nos distinga dos animais.

Talvez as formigas conversem como foram seus dias ou as abelhas compartilhem quantos litros de mel fizeram. Quem sabe os passarinhos descrevam voos rasantes que os livraram de armadilhas. Pode ser que os gatos de casa façam inveja aos de rua. Quiçá os cachorros sejam capazes de conversar sobre brincadeiras e ossos.

O fato é que somos os únicos animais que comprovadamente narram.

Narramos nosso presente e passado, além de projetarmos, também em forma de imaginação descritiva, nosso futuro.

É pela narrativa que transferimos um pouco de nós, de nossa vida, alegrias e esperanças para o outro. E é também por ela que compartilhamos nossos segredos, dores, tristezas e traumas.

Dizem que os traumas são acontecimentos tão fortes que não temos ainda repertório emocional para elaborá-lo, sendo que o seu excesso nos escapa a compreensão e evidencia a desconexão simbólica do evento.

Assim, os traumas desintegram nossa capacidade de dizer, criando um fosso que nos separa do mundo, onde permanecemos sem conseguir falar a respeito simplesmente por nos faltar palavras que consigam representar o que sofremos.

Emudecidos pela situação dramática, a tendência é seguir repetindo e revivendo o ocorrido seja através de pensamentos intrusivos, sonhos recorrentes ou outra maneira angustiante.

Aparentemente a literatura se coloca como ponte nesse vazio de linguagem, tecendo novas formas de falar.

A necessidade de contar aos outros o que ocorreu parece que os torna participantes da nossa dor e, com isso, vamos elaborando, em uma reflexão pública, o sofrimento agora compartilhado.

O texto literário permite o encontro de outros caminhos afetivos a quem lê e a quem escreve e isso tudo nos faz bem.

Na verdade, não apenas a literatura, mas o teatro, o cinema, as séries, a fotografia e as artes em geral acabam criando um repertório mais amplo e rico que nos facilita lidar com a existência e as dificuldades da vida de modo geral.

Assim, podemos viver melhor e narrar outras histórias.

E as histórias infantis parecem ser as mais profundas de todas.

Foto do Danilo Fontenelle

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