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Dom Pedro Casaldáliga
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Dom Pedro Casaldáliga

1608demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1608demitri

As três casas de minha bisavó Mariana estão intactas na esquina da Tavares Iracema com Major Pedro Sampaio, no Porangabuçu ou Rodolfo Teófilo. Duas permanecem na mesma arquitetura simples, igual quando morei lá até 1978. A outra ganhou um andar.

Falo três casas de minha bisavó, mas todas foram vendidas quando meu pai virou advogado. "Subiu na vida", comprou uma casa financiada pelo Bradesco e alugou uma sala no Edifício das Lojas Brasileiras - onde funcionou seu primeiro escritório de doutor.

Com tudo que a casa do Bradesco tinha - "suítes" ou banheiros que entrávamos pela porta do guarda-roupa embutido, bidês, duchas, piso de taco, jardim de inverno - não chegava aos pés do afeto que tínhamos pela esquina da Tavares Iracema com Major Pedro Sampaio.

Não mesmo. Nem os lustres que meu avô Afonso comprou em não sei quantas letras e que transformou a casa da José Bastos na praça mais iluminada de Fortaleza. A sala de visitas ficou parecida com o hall do Cine São Luiz. Exagero, mas lembro do vovô feliz com tantas luminárias.

Na casa do Porangabuçu, as lâmpadas desciam pelo fio. E algumas, como a do banheiro que ficava no alpendre do quintal, acendiam na chavezinha no bocal.

Não tinha como fazer comparações afetuosas entre a casa do Rodolfo Teófilo com o bangalô da Zé Bastos, próxima a estação do Couto Fernandes. Era covardia. Pouquíssimas saudades tenho do endereço do imóvel do banco. Ainda mais porque o Bradesco tomou de volta quando meu pai não conseguiu pagar as prestações intermináveis.

A casa pequena, onde morávamos seis irmão, pai, mãe, avó, bisavó e parentes que vinham do Interior para resolver alguma coisa na Capital, tinha algo que até hoje me busca.

Era de telha, não tinha forro como a do Bradesco. No quintal do Rodolfo Teófilo três goiabeiras nos balançavam no galho lá do olho. Era assim. Na casa passavam duas ruas quase gente da família, postes que conhecíamos todos e um calçamento onde a bola rolava.

Dos basculantes, eu sonhava com quem iria namorar. Tida, a menina mais bonita da rua. Rebeca, a garota dos seios fartos. Wilma, do pé de jasmim. As Anas Cláudias! A preta e a branca. Kelsenir, Débora, Fabiana,  Tereza Cristina... e as moças mais maduras da casa da calçada alta.

Pois bem, há alguns dias voltei ao Poragabuçu, à esquina da Tavares Iracema com Major Pedro Sampaio. Não desci do carro, peguei Sarah no ICC, e fui mostrá-la onde fui pivete e de onde vinham as invenções sobre a meninice.

Toda vida que tenho alguns vazios, alguns lutos, tenho saudades da casa do Rodolfo Teófilo e de seu entorno. Da porta do terreiro à sala de visitas. Por quê? Só minha amiga Galeara pode responder no divã.

Naqueles dias, estava atrás de dom Pedro Casaldáliga. Recém-morrido. Procurando-o na rua meio rural e periférica dos anos 70 onde "nasci" e nem sabia, direito, da ditadura.

Procurava-o na igreja de Nossa Senhora de Salete, no catecismo da teologia da libertação aos sábados... Campeava-o em alguns padres vermelhos do Redentorista e em dom Edmilson que nem conhecia, mas tenho a impressão que foi pároco lá do bairro...

Tive alguma saudade e fui tentar encontrar algum menino jogando bola, alguma brincadeira de rua, alguma goiabeira. Catei até os cachorros da rua de "minha época", o Buick e o Duque.

Em alguns lutos, passo em frente à casa antiga, pequenininha, feinha. Para contrapor o banzo com alguma reserva de alegria ainda por lá. Não entro, claro, ninguém vai entender. Lá era melhor que Paris.

Senti falta de dom Pedro, um dia o entrevistei com Fátima. Não me lembro da conversa e o texto de um amigo, Leonardo Macedo, me fez correr ao Porangabuçu atrás de saudades. Vá entender.

"Dom Pedro Casaldáliga virou floresta de vez. Não que antes já não fosse chão, rio, galho e bicho. Poeta, cantou o 'canto do lugar', bispo, emprestou sua coragem em defesa da floresta. Santo, floresceu entre ervas da injustiça".

 

Foto do Demitri Túlio

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