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Cadeira de rodas voadora
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Cadeira de rodas voadora

Havia prometido ao Landry Pedrosa que se ele fosse antes de mim, buscaria que a Aguanambi fosse uma avenida com seu nome
Tipo Crônica
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0712demitri(1) (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 0712demitri(1)

Parece que somos toda hora a prosa poética que escrevemos. Ou o retrato que vamos construindo no tempo em que ainda não estamos mortos. Mas não é bem assim. Confesso, mais uma dessas confidências bestas, não sei o rumo do texto.

Iniciei a tentativa de crônica querendo falar sobre a "cadeira voadora" do Cláudio Pereira. O jornalista Cláudio já é saudoso daqui onde estamos e nos espera em algum mistério que não saberemos nem quando sublimes virarmos.

Ou coisa parecida ou coisa parecida. Ainda sou tão moço prá tanta tristeza, cuidemos! Ou chega a morte e nos leva o Carnaval, as paixões. O amor. Estive remoendo entojos com Belchior.

 

"Delberg Ponce de Leon, o arquiteto solar e professor, puxa a gentileza pela lembrança do amigo"
 

 

Sobre o Cláudio Pereira, uma ação entre amigos planeja cultivar sua memória em uma estátua onde estará datilografando numa Olivetti, debaixo de um pé de oiti, à beira do mar de Fortaleza. Na varanda de sua casa, penso que já demolida para um prédio empreendedor.

Delberg Ponce de Leon, o arquiteto solar e professor, puxa a gentileza pela lembrança do amigo que foi um cutucador cultural. Nem o acidente automobilístico que assaltou seu andar o fez menos inquieto.

Construiu na mente uma "cadeira de rodas voadora". Com com o que economizou da aposentadoria do BNB e influências políticas e culturais refez a vida numa outra perspectiva de ir e vir e reinventar a Cidade.

 

"Cláudio Pereira tem valor afetivo e perenidade"

 

É digno um amigo querer bem outro. Ter arquivos de recordações de quando andavam na Praça do Ferreira depois do expediente no Centro. Das horas indo embora do tempo e conversas intermináveis. Cláudio Pereira tem valor afetivo e perenidade.

São alguns e algumas que escolhemos ou nos escolhem para abraços, choros, namoros, discussões, raivas, paixões arrebatadoras e - como é do viver - um dia teremos de contar para os outros que existiam figuras que mereciam cada um conhecer.

Vêm à mente o Cláudio Ferreira Lima, a Tânia Furtado, o Demócrito Dummar, a minha tia Auxiliadora, o Demitri Túlio (meu primo), meu amigo Totó, as três goiabeiras que me criaram no Porangabuçu... cada um tem uma listinha de indizíveis saudades.

Havia prometido ao Landry Pedrosa que se ele fosse antes de mim, buscaria que a Aguanambi fosse uma avenida com seu nome.

Sem tirar o ancestral Aguanambi e acrescentar "Repórter Landry Pedrosa". Não consegui até hoje, mas ele ficou feliz com o desejo entre amigos.

 

"não posso ser mais importante que o senhor bem idoso, corcunda, reaparecido na esquina da Rui Barbosa com Heráclito Graça"

 

E casaria tudo, a Aguanambi passa eternamente em frente ao O POVO, 282 - lugar onde Landry viveu a emocionante lida de repórter policial à moda de seu tempo. Quando encarnou uma Redação muito outra. Ainda bem que o jornalismo ainda é rua e apuração.

Não desejo uma estátua nem uma avenida com meu nome, não posso ser mais importante que o senhor bem idoso, corcunda, reaparecido na esquina da Rui Barbosa com Heráclito Graça.

Ele também poderia ser contemplado com o nome de um bairro, daquela esquina onde pede esmolas há décadas e ainda resiste ao sol e à ilusão dos trocados. Pode até ser rico, há desses contos nas encruzilhadas da Cidade. Não carece de julgamento.

 

"É gracioso quando amigos se juntam para regar as histórias de alguém que não pediu pelo que foi"

É gracioso quando amigos se juntam para regar as histórias de alguém que não pediu pelo que foi. Contam, pintam, cantam, bebem e inventam a memória de alguém porque algo de simples foi importante enquanto ele existiu.

Enfim! Meu espírito de cronista sem importância estava mais para escrever sobre as coisas chatas no fim de umas férias estranhas. O olhar seboso de alguns sobre a vida alheia, mas ainda bem que o amor de amigos por Cládio Pereira atravessou o caminho.

Voltei das férias com 59 anos, nem parei para contar o tempo. Ele foi se aninhando, tomando meu corpo, tirando de mim algumas amigas e amigos, me ensinando chegadas e partidas. É redemoinho.

 

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