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Chega de tragédias!
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Chega de tragédias!

Tipo Crônica

Não sei o que oferecer aos sobreviventes da tragédia do Edifício Andréa. Nem aos parentes que perderam pessoas amadas, animais de estimação, documentos, memórias e dias porvir.

Penso que apenas o jornalismo não basta. Provavelmente, não me consolaria se eu fosse da família ou morador do prédio que se desmanchou inacreditável e, talvez, previsível.

Sim! Um punhado de repórteres estará, para além da cobertura do factual da tragédia, investigando responsabilidades da Prefeitura de Fortaleza, da empresa de engenharia que fez o projeto de reforma, do próprio condomínio, do Crea-CE, do Ministério Público, da Câmara Municipal, dos interesses da construção civil.

Queria ter algo mais confortante para compartilhar. Um abraço que curasse de verdade as perdas, uma oração forte que ajudasse a atravessar o luto, uma palavra convincente sobre a vida refeita depois de momentos tão indizíveis.

Não tenho essa habilidade. Talvez, alguns poucos psicólogos e gente que tem milagres nos olhos possa aliviar quem, de repente, foi tomado por escombros.

Nos dias em que estive no derredor do que restou do Andréa, vi muita gente levar apenas o próprio corpo para servir aos agoniados.

Nunca tive paciência para as curas teatrais dos pastores da Igreja Universal, mas o povo com quem tive contato era de uma gentileza honesta que me curvei a eles.

Nada de Edir Macedo e sua fortuna feita no lombo de quem precisa de fé ou de super-herói. Não. Era um bando de gente boa fazendo coisas triviais como servir café, distribuir comida, oferecer água, recolher lixo.

E o que dizer do Corpo de Bombeiro Militar? Uma legião de anjos, no meio do apocalipse da Tibúrcio Cavalcante! Insistentes em tirar sobreviventes da "montanha de tristezas". Ou a buscar dignidade para quem morreu em um outubro inimaginável.

Os cães farejadores são outro capítulo dessa história que não deveria nem ter existido. Dia amanhecido daquele jeito para quê? E escrito no destino para quais lições em Fortaleza? Devem ter algumas.

Não precisamos mais de tragédias. Definitivamente, 2019 não foi o ano em que, coletivamente, gozamos. Talvez uma ou outra roda de samba tenha sido cantada entre alguns amigos e poucos familiares. Mas a estranha sensação de liquidificador aos pés rodopia.

E fiquei matutando o queria ouvir e viver até dezembro próximo... 2019 parece que já vivemos dez anos de seca extrema, de incêndios devastadores na Amazônia e de um mar afogado no petróleo cru e tudo sendo extinto. E vem o Andréa e nos assalta os dias.

Vou fazer assim, vou continuar admirando quem foi ao purgatório do Andréa para ajudar almas precisantes. Gente sem interesse, disposta a só ajudar por ajudar.

E, dentro de minha fé cambaleante, vou conversar com Santa Rita de Cássia e o povo da floresta pela causa de quem sobreviveu e precisa não ser Lázaro. Quem se foi, que encontre conforto no mistério de ir.

Sim, no que o jornalismo puder e não for invasivo, meu corpo continuará sendo escrita também para os outros.

Foto do Demitri Túlio

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