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"Frutos do Mar ao molho OPEP"
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

"Frutos do Mar ao molho OPEP"

Tipo Crônica
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O nosso desamor com o mar não é de agora. Quarenta e um anos depois, graças à memória de Flávio Torres, descobri o que era o piche que breava meus pés e de meus irmãos no final dos anos 70.

Eu tinha 12 anos e íamos, em 1978, nos fusquinhas sambados - os seis filhos, mamãe, meu pai e, às vezes, minha avó e meu avô - à praia do Futuro e à Barra do Ceará, em Fortaleza.

Lembro-me, na volta pra casa, da mão cheia de areia, o esfregado com sabão Pavão, e o caco de telha para largar o piche da lapa dos pés. E, ainda, se banhar com Aseptol para dar fim a coceira fuinha trazida do mar. Coitado do Atlântico! Nem tinha culpa.

Tirante a memória romântica da infância, Fortaleza não podia andar descalça em algumas areias da boca do oceano por aqui entre 1978 e 1979. Talvez até mais e a lembrança não vai buscar. Uma mancha de petróleo também nos invadiu e violou o mar em nós naqueles anos.

A palavra "piche", agora faço a correlação, deve ter entrado em meu vocabulário de menino por ali... Não era leitor de jornal, mas de alguma maneira, o verbete percorreu lá em casa, a rua, o Porangabuçu... E, talvez, tenha passado batido por quem se atrevia a pegar os ônibus apinhados para ir à praia 31 de Março. Tinha gente que voltava oleada, pra além do bronzeador peba de cenoura.

Fui procurar nos arquivos do O POVO como havia sido narrado, há 41 anos, o "piche" nas praias do Ceará. Ou se não era bem assim. Infelizmente, a história é quase a mesma.

Os relatos daquele tempo, com o petróleo também violentando a costa do Nordeste, só não são mais escrotos, talvez, porque o whatsapp ainda não reinava em 78/79. E, certeza, a consciência ambiental era menor e, por isso, muito mais desdém.

Em maio de 1978, o colunista José Rangel, deu as primeiras notas sobre o incômodo de não poder andar nem sentar nas areias da Prainha e Morro Branco. E denunciava a lavagem de tanques criminosa de petroleiros no litoral do Nordeste.

Na época, a palavra que estava entrando na moda era "ecologia". Meio tímida, mas já fazia parte dos discursos de gente preocupada com os ecossistemas da cidade e, naquela época, com o mar.

Foi o povo combativo da Sociedade Cearense de Defesa da Cultura e do Meio Ambiente (Socema) - como Marília Brandão, Marcos Raimundo Vale e Samuel Braga - que se juntou à agência de publicidade Scalla, do Barroso Damasceno e a Demócrito Dummar, no jornal, para pedir providências contra o petróleo nas praias do Ceará.

O cearense já havia descoberto o mar, mas sempre o maltratou. No final de 1978, mesmo com a ditadura militar, a trinca Socema, Scalla e O POVO iniciou uma campanha publicitária e editorial cobrando providências do capitão dos Portos Mauro Moutinho, do prefeito Luiz Marques, do governador Waldemar Alcântara e do presidente Figueiredo.

Como a peixada na água grande, e outros pratos do mar, era preciosa para Fortaleza, uma das peças estampava no O POVO: "Receita de matar: Frutos do Mar ao molho OPEP". E outras se inscreveram: "Nesse Natal, cuide do Mar", "O piche enche o saco"...

Li, por mais ou menos um ano, a movimentação contra a lavagem dos tanques de petroleiros que contaminava a costa do Nordeste. Cada autoridade recebeu uma carta denúncia e um quilo de piche. Foi só assim, no empurrão e má vontade, que fizeram quase nada pelo mar.

(Com pesquisa de Roberto Araújo)

Opep - Organização dos Países Exportadores de Petróleo

Foto do Demitri Túlio

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