Quando Jane sumiu, a palha da palmeira imperial da Tavares Iracema caiu nos fios do poste em frente à casa de dona Lourdes e a Tavares Iracema toda ficou sem luz. Foi um papoco e a Light não veio, mesmo com a insistência.

Tinha um Brasil e Argentina, estava zero a zero e a televisão do vizinho queimou com curto provocado pela palha seca da palmeira. Toda vida acontecia isso, mas dona Lourdes era contra derrubar árvore.

Mamãe deu conta do sumiço de Jane quase na hora em que o breu tomou conta. Quando faltou energia, corri da casa do vizinho e fui buscar um rádio de meu avô. Tentar ouvir o resto do Brasil e Argentina.

A seleção tinha de vencer se quisesse ser campeã uma semana depois no Monumental de Nuñez, mas não estava fácil. Mário Kempes, Passarela, Ardilies, Ortiz... os cabeludos argentinos não eram melhores que nós, era pau a pau.

Mamãe perguntou por Jane, respondi que estava atrás do rádio. Ela entendeu que minha irmã estava no quarto de vovô. Disse que não, queria ouvir o resto de Brasil e Argentina no rádio dele. Não menino, cadê sua irmã? Sei não.

Corri para tentar acompanhar o resto do jogo e mamãe acendeu uma vela pra procurar por Jane. Jane era a mais velha, tinha ido embora para o Rio e então era visita lá em casa. Gente boa, cheia de histórias diferentes e adorava quando lhe trazia goiabas brancas do quintal.

Goiabas brancas! Fruta que também não vi nunca mais em nenhum canto. Nenhum supermercado, quitanda. Sumiu. E quando nos mudamos do Porangabuçu, logo depois da Copa da Argentina, as goiabeiras foram cortadas.

Naquele dia, não deu certo para o Brasil. Mas a Argentina também não ganhou. Ficou no zero a zero. Mesmo Zico entrando, ainda galinho e barrando Rivelino que ficou no banco e só entrou porque estava se despedindo da Seleção e, praticamente, do futebol.

Peguei mamãe chorando no escuro, no pavio da vela. Eu também estava angustiado, mas era porque o Brasil, praticamente, havia perdido o título naquele empate. Para ser campeão dependia de uma vitória do Peru sobre a Argentina, a dona da casa.

A Jane não apareceu, mãe?

Não.

Mas a senhora procurou no quintal, pode estar atrás de alguma goiaba branca inchada.

Nesse breu, menino! Tá doido. Vai dormir.

Verdade, o vento apagaria a vela. E as goiabeiras viravam poleiros para as galinhas quando chegava a noite. Jane não tinha medo de escuro, de baratas, de jacarés, de carro de polícia, não tinha medo de meninos, mas tinha nojo do cocô das galinhas.

Três dias depois do zero a zero entre Argentina e Brasil, mamãe e eu fomos para a casa de dona Luíza. Era dia de Brasil x Polônia e Argentina versus Peru. Bastava o Brasil ganhar e torcer por uma vitória dos peruanos que iríamos à final.

Fui achando bom, dona Luíza tinha uma televisão e não perderia a partida. Lá, mamãe, dona Luíza e dona Benedita ficaram conversando na mesa da sala e vi o Brasil bater a Polônia, de Lato, por 3 a 1.

Mas não adiantou muita alegria, o Peru tomou 6 a 0 da Argentina. Disseram, na época, que teria sido comprado por generais para abrir o jogo. Não entendi, mas acreditei. Estava jururu, chorando. A verdade é que os argentinos passearam em campo. Ao mesmo tempo que eu tinha raiva, queria ser Mário Kempes. Ter os cabelos dele.

Mamãe, dona Luzia e dona Benedita choravam muito e batiam na mesa (acho que sonhei esse encontro!). O choro não era por causa do vexame do Peru. As três, os filhos tinham sumido sem dar notícia naquele mesmo Argentina 0 x 0 Brasil. Até ali, eu só pensava em jogar igual a Kempes.

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