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O milagre do Araras
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

O milagre do Araras

Tipo Crônica
2604demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2604demitri

Ando sonhando pouco durante o sono. E se como algo perto de dormir, tenho um pesadelo atrás do outro e a noite vai cansando. Fico entre fechar os olhos e o incômodo de mais uma alucinação por vir.

Ou então, como ocorreu algumas vezes durante a quarentena, não prego os olhos e escuto tudo que há dentro da noite.

Pode ser que sejam as carradas de notícias, as postagens falsas, a Covid-19, o desumano em Bolsonaro, o Moro "desavisado" ou as pendências para um dia que ainda nem amanheceu.

É esquisito ser humano. Quem comprou um carro, acredita que não poderá mais viver sem "ele". Quem passou a ter um telefone celular, o integrou ao corpo oferecendo uma importância coronária ao aparelho. E fomos ficando assim.

O Mundo não poderia parar e foi freado bruscamente numa encruzilhada. A um custo que era previsível e acuando, desta vez, não apenas o excluído conformado com o que "Deus quer".

O pior é querer voltar à Terra, lá fora, do mesmo jeito que antes. Valendo-se de velhos acochambros jeitosos. Sem dividir riquezas e continuar fazendo apenas caridade marqueteira.

É como se governo e empresários decidissem que vão ressuscitar o rio Cocó e não investissem na construção de um bairro digno para ribeirinhos longe das margens do rio.

Mesma coisa, se não transferissem o Iguatemi, outros empreendimentos, e os prédios dos bacanas de dentro do mangue e dos territórios de amortecimento do maior rio da aldeia.

Não é questão de ser impossível mudar o Iguatemi de lugar. É possível. Por que, não? O Mundo que é o Mundo parou... Por que não podemos mudar uma mentalidade?

O entrave é que são anos de crença e séculos de imposição de regras sociais e econômicas que vão perpetuando alguns como mais "importantes" que o Planeta...

Deixa eu mudar o rumo da conversa. Ou pelo menos tentar costurá-la para tentar espantar os pesadelos. Vi em algum telejornal um entendido do sono dizer que você sonha o que quer sonhar.

Basta, durante o dia, dizer pra você mesmo para onde quer se projetar quando for pegar o bico e a fralda encardida (mais gostosa). Fiz isso. Pensei na notícia mais feliz da quinta passada que, pra mim, foi o açude Araras ter sangrado.

Um milagre dentro da bacia do quarto maior mar de água doce do Semiárido cearense. Depois de nove anos e seis secas consecutivas, aquela imensidão no meio da Caatinga pegou tanta água de chuva que se derramou no Acaraú. Anos e anos d´água.

Não há ninguém mais importante, numa cidade do Interior, no caso Varjota e arredores, do que a sua majestade o açude. Nem o papa Francisco que é um cara bom. Sabe disso quem é do Interior ou quem tem parte com os caminhos de lá.

Pensei no Araras atravessado por canoas cheias de tucunarés, legumes em seus baixios, galos-campinas, bananais, casacas-de-couro refazendo ninhos gigantes... E ninguém morrendo de fome ao arredor. Todo açude é uma riqueza, mais rico que o Bradesco e o Itaú. Nem todo mundo entende esse dizer.

Ainda não sonhei com o Araras desbordando, mas não paro de pensar nele como milagre em meio à pandemia. Igual a quem se salvou da peste. 

Foto do Demitri Túlio

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