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Março, abril e maio despedaçados
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Março, abril e maio despedaçados

Tipo Opinião
1705demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1705demitri

- Demi, lembra desse caso? Ele morreu hoje de manhã, cedo!

- Ô, Ana!!! Sinto muito por ele (Abelardo Gadelha da Rocha) e a família. Que pena. Essa pandemia tem escolhido alguns e deixado outros... deve ter algum sentido aí que não conseguimos alcançar. Uma reza por ele e para os que ficaram.

No meu zap virou comum esta troca de mensagens, agora, na pandemia. De março para cá, quando passei pela doença e fiquei bom, várias pessoas foram me procurando.

No começo da pandemia para saber sobre o adoecer delas e comparar com os sintomas que experimentei. O que fiz? E agora? A quem recorrer? O que tomei receitado por médicos. Dores, pavores e dúvidas quando o breu surpreende.

Uma fila de gente sendo atalhada pela Covid-19. E, no paralelo, notícias de quem tinha ido embora... Wilson Baltazar, companheiro de Redação por algum tempo, dom Aldo Pagotto, Daniela Teodózio Tabajara, Maria Lúcia da Silva Nascimento, Bia Perlingeiro, Francisco Sidney, Esmeraldina do Nascimento Rodrigues, Francisco Pereira de Freitas... E mais de mil e quinhentos ausentes no Ceará.

Um aperreio que foi mudando o endereço das mensagens. Da Aldeota para os bairros menos assistidos de Fortaleza e o desespero por atendimento. E assim, na proporção que abril foi se despedaçando, os zaps passaram a chorar mais alto...

No dia 1º de maio, recebi:

- Bom dia, desculpe o horário... você sabe informar algum hospital público que tem atendimento além dos sintomas do corona?"

- Oi Sara, bom dia. Olhe, todos os hospitais públicos estão mais voltados pra Covid. Por causa da demanda absurda. O que aconteceu?

- Meu pai está com febre (10 dias). A barriga inchada e com dores. Não consegue se alimentar direito. Levei ao posto e passaram somente dipirona e soro.

- Ele tem plano?

- Não tem. E essa madrugada teve dor de cabeça.

- Vai ter de voltar, vá pra UPA da Vila União...

E assim foi e o "pau ainda está cantando". Um País sem rumo e uma alma sebosa a falar de churrasco em caixões lacrados. Uns amigos espíritas me dizem que está havendo uma limpeza. Os católicos e evangélicos (muito parecidos), que a Bíblia já tinha previsto. Os intelectuais não tiram a palavra "distopia" da boca...

Há dias amanhecidos que nem queria ter acordado. Fugido, verdade, confesso. Ando sonhando com a Chapada da Diamantina, queria estar guardadinho lá feito caboré no oco do pau ou no buraco da estrada.

Não sei se quero saber onde isso vai dar. Acredito na Ciência, uma deusa que venero sem orações nem fanatismos. Mas acho que carecemos de um milagre para realinhar a órbita dos açudes. O vírus não irá embora e, assim como o Aedes aegypti, teremos de manter o vaso emborcado para sempre.

E ontem, foi bom, sonhei com o fim da quarentena. O Serpentina aberto e o samba do Felipe quebrando o coco na Heráclito Graça... Com alguns abraços valendo, com umas transas atrasadas e pedintes...

Umas visitas à casa de quem sabe receber... Uma volta estranha à Redação já que ela se mudou até para o meu banheiro. O futebol, ver o baixinho Osvaldo jogar e derrotar o Ceará. Até do Vovô tenho saudades...

E os shoppings, hein! Que loucura serão as compras, as promoções. Não vejo a hora. Sentir aquele cheiro das lojas ricas, feito a M. Martin, olhar o bonito enfeitiçado das moças da Cantão e da Farm...

Ah! E voltar a ser tudo e igual de novo na Aldeota e no Bom Jardim. Cada um no seu quadrado e, daqui pra frente, menos contato ainda graças ao vírus. Hein!

Não sei qual a primeira coisa que farei na Rua quando tudo isso acabar. Ou quando o mundo parar de se desmanchar. Mar, igreja, ir atrás da mamãe (que está com suspeita de Covid-19), dar um abraço no Tino Freitas por seu pai, jogar bila, sair correndo... Vontade de frescar por aí...

 

Foto do Demitri Túlio

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