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Entre traumas
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Entre traumas

Ídolos do rock, figuras potentes, cujas ações mudaram o comportamento de uma geração, John Lennon e Janis Joplin deram cara e som aos seus demônios. Se não podiam vencê-los, melhor seria transformá-los em música, mesmo que o custo emocional fosse bem alto
Tipo Opinião

Nesta sexta-feira, 9, John Lennon faria 80 anos não fosse a intervenção de um fanático descompensado que, em busca de fama, atirou contra o compositor na noite da segunda-feira, 8 de dezembro de 1980. Ainda sobre tragédia, foi no de 4 de outubro de 1970 que Janis Joplin morreu deixando uma das histórias mais curtas e impactantes do rock.

Mais que o nascimento, a efeméride da morte chama atenção para essas duas personalidades cultuadas em suas muitas incompletudes. John e Janis viveram loucuras, exploraram limites, visitaram céus e infernos, amaram como podiam, e usaram isso tudo para fazer a melhor música que conseguiam. A angústia estava sempre por ali, e eles usavam o microfone como antidepressivo.

E os motivos para tantas crises não faltavam. Nascida no Texas, Janis Lyn Joplin enfrentou o bullying e a insistência para que fosse uma "moça de família". Com espinhas e rosto redondo, se sentia feia. Os figurinos largados fizeram-na ganhar o concurso de "homem mais feio da escola". Os garotos da escola riram da piada. Pra ela foi como uma espada samurai lhe cortando na altura do estômago.

Para Lennon, nenhum trauma seria mais cortante que a ausência dos pais. Certa vez, eles colocaram para John, com cerca de 6 anos, a escolha de com qual dos dois ficar. De fato, ele foi criado por tios, que fizeram o possível para conter o gênio rebelde daquele adolescente que ganhou da mãe a primeira guitarra. Mas o mundo desabou em 15 de julho de 1958, quando Julia, sua mãe, morreu num acidente de trânsito.

John e Janis encontram no rock a plataforma ideal para unirem tratamento e trabalho. No caso dele, essa junção ficou bem óbvia em "Mother", canção inspirada no trabalho do psicólogo Arthur Janov, criador da terapia do "grito primal" onde se deve berrar o que te angustia. Para Janis, esse grito independia de um acompanhamento médico.

Era somente no palco que Janis se sentia amada e respeitada. Fora dele, era solitária, infeliz e instável. Consumia doses cavalares de drogas e incentivava todos ao seu lado a fazerem o mesmo. Talvez sem as drogas ela não suportasse a dor de se sentir tão deslocada no mundo. John não deixou de buscar refúgio nas drogas, mas encontrou seu canto ao montar uma família - vide canções como "Beautiful boy" e "Oh Yoko". Janis não teve tempo de ser doce e, mesmo quando falava de amor, era triste e amargurada.

O documentário "Little Blue Girl" (2016) mostra Janis voltando à terra natal para participar de um evento do antigo colégio. Ela não esconde o pavor de ter que encarar de novo tudo aquilo que tanto odiava, desde a humilhação até a mediocridade do ambiente. Mas ela queria passar na cara da cidade que havia vencido. Já no documentário "Imagine" (1988), chama atenção a cena em que um fã invade a casa da família Lennon em busca de ouvir do ex-beatle uma palavra de salvação. John recebe o estranho, o convida para um lanche e tenta convencê-lo de que era pessoa comum.

Mas John Lennon e Janis Joplin não foram pessoas comuns. Eles ultrapassaram essa condição e buscaram mais que uma existência qualquer. Eles criaram um espaço no mundo onde pudessem existir da forma que queriam, com seus traumas e suas músicas. O céu era o limite, o inferno uma ameaça, mas eles optaram pelo meio do caminho, em alguma encruzilhada astral. Nem tão bons que não possam sofrer críticas, nem tão maus que não possam ser admirados.

Lennon no Cinema - As dicas de Nelson Augusto

A coluna convidou o jornalista e fã indiscutível dos Beatles Nelson Augusto para que indicasse cinco filmes fundamentais para quem quer conhecer mais sobre a vida e a obra de John Lennon. Segue sua dica: "O que eu prefiro, tenho mais admiração pela informação, é o 'Imagine', de 1988, por que foi baseado em depoimentos do David Bowie, contemporâneo dos Beatles, o produtor deles George Martin, o Julian Lennon (filho de John), entre outros. E tem trechos de documentários da vida do John, tanto antes do Beatles quanto depois, mas foca mais no período depois. Além da trilha sonora ser com músicas cantadas pelo próprio Jonh, na banda e na carreira solo. Os outros citados na lista, apesar de fazerem um resumo de parte da vida dele, de acordo com seus propósitos, o que sinto falta é que as músicas não são as gravações originais. Quando tem música! Então, se você quer conhecer mais especificamente a obra do John Lennon, a vida dele, em filme, eu aconselho o documentário 'Imagine'".

- Imagine (1988). Direção de Andrew Solt, com depoimentos de parentes, amigos e profissionais que trabalharam com John.

- John Lennon - O Mito (2000). Direção de David Carson, o filme retrata o surgimento dos Beatles desde o início. John é interpretado pelo ator Phillip McQuillan.

- Os EUA x John Lennon (2006). Documentário de David Leaf e John Scheinfeld, que aborda o lado ativista político de John Lennon e Yoko Ono.

- O Garoto de Liverpool (2009). Filme de Sam Taylor-Johnson que foca na vida adolescente de John, a relação familiar e a descoberta da música.

- Simplesmente Lennon (2010). De Edmund Coulthard. John Lennon é vivido por Christopher Eccleston. O filme mostra a relação do músico com a paternidade e a fama.

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