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Aos 81 anos, Airto Moreira dá voz a bossas e sambas canção em disco
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Aos 81 anos, Airto Moreira dá voz a bossas e sambas canção em disco

Afinação, respiração, entonação... Além da técnica, cantar é receber uma mensagem, passá-la adiante e fazê-la emocionar
Tipo Opinião
Airto Moreira lança 'Eu canto assim', antes de anunciar aposentadoria (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Airto Moreira lança 'Eu canto assim', antes de anunciar aposentadoria

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Em dezembro de 2019, na final do "Popstar", Tony Tornado eclipsou o vencedor do programa com a declaração de que Chico Buarque cantava mal. Ninguém lembra quem venceu a competição musical, mas a frase do ator e cantor - que fez história na black music brasileira cantando "BR-3" - repercutiu nas bolhas que adoram polêmicas.

Creio que a intensão de Tony fosse fazer um autoelogio, uma forma de dizer "ele não tem o meu vozeirão". Formado na mesma escola de Tim Maia e James Brown, Tornado tem sim um vozeirão. Mas Chico também é um grande cantor, que sabe usar os recursos que tem na música que se propõe a fazer. Basta ouvi-lo em "Futuros amantes", por exemplo, pra isso ficar claro.

Entre a opulência de Pavarotti e a precisão econômica de João Gilberto existem muitas vozes que emocionam. Roberto Carlos, que chamam de fanho, usa como poucos a voz curta que tem. Erasmo, de voz mais curta ainda, tem interpretações primorosas. Fausto Nilo, alvo de piadas da turma do Anísio, tem um jeito muito delicado de apresentar suas músicas. Otto transformou sua desafinação em estética. João Donato canta com uma despretensão que deveria ser modelo pra muito metido a tenor.

Todo esse preâmbulo é pra apresentar um disco que descobri recentemente. "Eu canto assim", de Airto Moreira, lançado em 2021. Um dos mais importantes percussionistas do mundo, que já trabalhou com nomes como Tina Turner e Miles Davis, ele já costumava fazer improvisos vocais e cantar algumas faixas de seus discos. Mas, de modo geral, as vozes principais ficavam com a esposa, a super premiada Flora Purim.

No recente "Eu Canto Assim", essa ordem se inverte e Airto coloca sua voz a serviço de bossas e sambas canções. Ao seu lado, dois músicos jovens e experientes. O paulista Davi Sartori é pianista, arranjador, compositor, diretor musical e já gravou em mais de 50 discos. Thiago Duarte é curitibano, mas reside na Europa, onde faz mestrado em contrabaixo acústico na Universidade de Berlim.

Em décadas morando fora, Airto tornou-se estrela gravando jazz fusion, cheios de guitarras, teclados, improvisos, eletricidade e sotaque pop. Em "Eu canto assim", ele se entrega a um repertório que já ganhou versões antológicas de Nelson Gonçalves, Maysa e Johnny Alf. Pelo prazer de cantar, ele degusta cada canção com cuidado, sem excessos, dando a elas nada além do que é preciso para clarear os versos.

"Canção dos olhos tristes" e "As praias desertas" até lembram o Airto que fez fama no exterior, com arranjos de percussão e improvisos vocais. O que vem a seguir surpreende por ser tão facilmente reconhecível. São histórias de dor de cotovelo, amores bandidos, esperanças de reencontros e saudades doídas.

"Quem há de dizer" e "Cadeira vazia", duas das mais belas de Lupicínio Rodrigues; "A noite do meu bem", clássico de Dolores Duran, são algumas que ele canta com sinceridade visceral. Pra encerrar, "Molambo" chega lentamente, só no piano, até que entra Flora Purim, do alto dos seus 80 anos, para um dueto cheio de intimidade. Parceiros, amantes, cúmplices em mais de 50 anos de carreira, é ela quem assina a direção musical do disco.

Tendo o casal anunciado sua aposentadoria no início deste ano, Airto faz deste último trabalho um canto de saudade. Os 81 anos recém-completados ficam evidentes na interpretação sóbria e elegante do músico, que também toca bateria e percussão no disco. Mas o que ressalta é a voz forte, já rouca, de dicção errática e emissão claramente emocionada.

Lia Veras, cantora e professora cearense
Lia Veras, cantora e professora cearense

Cantar segundo Lia Veras

- O que é “cantar bem”?
Lia Veras – Segundo o Djavan, “cantar é mover o dom do fundo de uma paixão”. Compreendo que cantar bem é seduzir o próprio coração, arrepiar-se, alegrar-se com o canto e fazer dele um veículo de contentamento para quem o escuta.

- Que cuidados são básicos para manter uma boa voz?
Lia Veras – O corpo humano é inteligente! Quando cuidamos do nosso corpo, ele nos conduz com mais tranquilidade nos nossos afazeres diários. Manter o corpo hidratado, alimentação saudável e sono equilibrado são cuidados básicos que fazem toda a diferença na hora de cantar horas e horas. Seja profissionalmente ou como entretenimento, ouvindo a sua discografia preferida num belo dia de domingo ou de simplesmente usar a voz falada no dia a dia.

- Grandes vozes da MPB, como Gal Costa e Elis Regina, não tiveram estudo formal de canto no início de suas carreiras. O que isso revela sobre a formação da nossa música popular?
Lia Veras – A música é intuitiva. Bibi Ferreira também nunca fez aula de canto e se manteve com a voz jovem e ativa até se mudar pro andar de cima, como fez a inconfundível Elza Soares. Nossa música popular é, antes de mais nada, sentimento, emoção, respeito com o próprio corpo ao cantar. Vejo nessa característica uma autenticidade ímpar e busco isso diariamente, tanto na minha experiência de cantora, quanto na missão de professora de canto.

- Que vantagens o estudo formal traz para um cantor?
Lia Veras – Papai dizia: “sabendo usar não vai faltar”. Conhecer o próprio corpo cantante é um excelente caminho para a sensacional viagem que é cantar. É como degustar a música de Luiz Gonzaga “mas o pobre vê na estrada o orvalho beijando a flor, vê de perto o galo campina que quando canta muda de cor, vai molhando os pés no riacho...”, numa caminhada de Fortaleza pra Canindé quando se tem preparo físico e calçados adequados que permitem o caminhante descansar os pés quando um aparece um riacho pelo caminho.

- Quando um novo aluno chega para você dizendo que quer ser cantor, o que você primeiro observa nele: vontade de aprender ou algum talento nato?
Lia Veras – A vontade de aprender é o único caminho que eu conheço pra que seja possível construir uma relação de confiança com o aluno de canto, já que o instrumento voz faz parte de seu corpo de uma maneira completamente encoberta, fisiologicamente falando. Me atrevo a dizer, de vez em quando, que dar aula de canto é coisa de gente doida. Mas... olhando de perto, ninguém é normal mesmo. Assim eu sigo abraçada com esse ofício cantante de fazer as pessoas cantarem desde os meus vinte e poucos anos.

- Além da afinação, que outros elementos são importantes pra identificar um bom cantor?
Lia Veras – A alegria e emoção que ele transmite ao cantar, em primeiro lugar. E depois a respiração e o timbre saudável são os elementos que mais chamam a minha atenção.

- Tecnicamente falando, quais são as melhores vozes masculinas e femininas do Brasil?
Lia Veras – Difícil demais escolher dois ou três nomes para citar nesse espaço. Posso dizer que me sinto abraçada por Danilo e Dori Caymmi, ouvir e ver Ney Matogrosso é um deleite para minha alma. Bethânia é Luz, Joyce é raio e estrela que guiam minha paz quando preciso muito ouvir um canto que me acalme. E Mônica Salmaso, de quem eu tive a alegria de ser aluna no meu primeiro festival de música de Curitiba, em janeiro do ano 2000, é Luar nas minhas noites escuras! Mas realmente são muitas as vozes que eu admiro.

Marcelo D2
Marcelo D2

Notas Musicais

- Uma das bandas mais importantes e polêmicas dos anos 1990, o Planet Hemp assinou contrato com a Som Livre para gravar um novo disco. D2, BNegão, Formigão e Pedro Garcia se reencontram após 22 anos de hiato e vão contar com participação de convidados como Criolo e Black Alien no álbum ainda sem previsão.

- Hoje resumida a um trio, a banda Vanguart lançou o single "O que eu vou levar quando eu for", onde o compositor Hélio Flanders a presença do Alzheimer na sua família. O single faz parte de "Oceano Ruby", novo trabalho do grupo curitibano.

- No dia 14 de agosto, a cantora Cristina Amaral presta homenagem a Nelson Gonçalves no Cineteatro São Luiz. O show apresenta o mais novo disco da cantora pernambucana, que é um tributo ao maior crooner boêmio brasileiro.

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