Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Lucca Mezacappa/ Divulgação
Gabriele Leite revive herança familiar em novo disco "Gunûncho"
Gunûncho é como a mãe de Gabriele Leite batizou a mantinha de crochê que a acompanhou em muitos lugares. Na hora de sair de casa, era sempre o mesmo ritual: "pegou o gunûncho?". Hoje, aos 28 anos, ela escolheu esse nome para batizar seu segundo disco, lançado pela gravadora Rocinante. "Eu queria um disco que mostrasse muito mais quem é a Gabi. Eu sou brincalhona, gosto de dar risada. Também gosto de ser uma pessoa tranquila. Não gosto do agito", define-se a violonista paulista, radicada em Nova York, onde é doutoranda em performance musical na Sony Brook University.
Gebriele Leite nasceu na pequenina Cerquilho, a 144 km da capital paulista. Muito cedo se impressionava com os shows que via nos DVDs que o pai, mecânico industrial, alugava. O repertório ia de Pavarotti a Pink Floyd. "Lembro muito de um filme do James Brown", comenta ela que puxava a vassoura para imitar o dedilhado das guitarras e violões. A mãe, costureira, percebeu o interesse, buscou lugares que oferecessem aulas gratuitas e descobriu o Projeto Guri, onde ela começou as aulas aos seis anos.
"Foi lá que eu comecei já na postura do violão erudito. Banquinho, lendo partitura. Já com a técnica certinha, posição. Meus pais não são músicos, mas gostam muito e sempre foram suporte para minhas escolhas de vida", acrescenta Gebriele que não teve muitas escolhas daí em diante: foi captada pela música, dedicou seu tempo e foi encontrando seus espaços. Tocou na igreja, deu aulas de violão, fez bacharelado em Música na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestrado - com honras - na Manhattan School of Music. Em 2023, a convite da Rocinante, gravou o disco de estreia, "Territórios".
"'Territórios' mostra minha trajetória, as instituições por onde eu passei. É para demarcar todos esses espaços por onde circulei. É um disco totalmente erudito. O 'Gunûncho' vem para mostrar um pouco da minha personalidade enquanto instrumentista. Ele vem de diversas facetas", compara ela que já tocou com Silva e Anelis Assumpção, mas tem seus estudos voltados para o violão clássico. Para esse novo disco, ela escolheu quatro compositoras que escreveram peças para piano, todas vertidas para o violão: Tânia Leon, cubana radicada nos EUA, fundadora do Dance Theatre of Harlem; Lina Pires de Campos (1918-2003), compositora e professora que estudou com nomes como Leo Peracchi e Camargo Guarnieri; Thea Musgrave, professora e compositora escocesa; e Chiquinha Gonzaga (1847-1935), compositora, maestrina, abolicionista, pioneira carioca que dispensa (ou deveria) apresentações.
Completa a lista algumas composições da própria Gabriele, que surgiram há cerca de dois anos, durante um inverno severo em NY. Em casa, cuidando dos bichos de uma amiga, ela começou a pesquisar a célula rítmica do maracatu, buscou uma forma de fazer aquilo explorando os harmônicos e surgiu o primeiro dos três "nano estudos". "Essas músicas que eu escrevi são para violonistas, é pra galera sentar e dizer 'olha que difícil isso aqui'. Eu coloquei tudo na partitura, mas quando fui para o estúdio, pensei: 'nossa, mas como toca isso?'", brinca ela que gravou "Gunûncho" em cinco dias.
A mãe de Gabriele a fez doar seus dois gunûnchos com cerca de quatro anos de idade. Mas aquela capa protetora permanece no jeito firme, disciplinado, orgulhoso e sorridente com que a violonista conta a própria história. "Quero dizer que minha música é também um ato político. Por ser quem eu sou, por estar fazendo o que estou fazendo. Sempre que me perguntam quem são minhas referências é muito difícil responder por que eu não via outras meninas negras tocando violão. Quem é a pessoa hoje, referência mundial, que é preta e está tocando violão? É difícil responder", acrescenta, sabendo que sua missão vai além da própria técnica. "Eu já escutei várias falas: "você precisa ir para tal tipo de música, tem que tocar jazz, tem que fazer isso, aquilo. Não precisa ser assim, eu também posso fazer música clássica do jeito que eu enxergo e é parte da minha trajetória. Hoje, quando eu vejo o 'Gunûncho, que traz um pouco mais essa faceta popular, é também para mostrar que a gente está vivendo em sociedade e dá para você, aos poucos, ir furando algumas bolhas, abrir algumas portas".
Quando Caetano Veloso reuniu os filhos numa turnê em 2017, a faixa "Um homem" logo tornou-se uma surpresa. A composição de Zeca Veloso remete à força do feminino e causou impacto tanto pela melodia íntima quanto pela voz em falsete do filho mais velho de Paula Lavigne. Embora ele já tivesse um trabalho de composição com a banda Dônica, foi ali que, de fato, chamou a atenção do público.
Mas foram preciso sete anos para que Zeca se mostrasse por inteiro. Há uma semana chegou às plataformas digitais seu disco de estreia solo, "Boas Novas". São 10 canções inéditas e autorais, algumas compartilhadas com parceiros, como seu irmão Tom Veloso, que também esteve na turnê familiar. Para puxar esse fio da meada, Tom, Moreno e Caetano retornam para a faixa de abertura do disco, o afo(pop)xé "Salvador". O álbum conta ainda com parcerias e participações de Dora Morelenbaum e Xande de Pilares. A primeira na balada demasiado sensível "A carta" e o segundo no samba clichê "O sal desse chão".
Pelas pistas ditas até aqui, fica claro que Zeca não quis arriscar longe do terreiro familiar. Todos os convidados e referências têm íntima relação com o clã Veloso e é essa margem de segurança que impede "Boas Novas" de ser mais do que apenas um bom disco. Ouvindo "Carolina" e "Tua voz", fica claro o quanto Zeca é um compositor pretensioso, com boas ideias. Mas falta a experiência com o erro. Um ponto positivo é que ele não tentou soar como mais um artista em busca de um lugar ao sol. Filho de quem é, teve à disposição sopros, cordas e todos os recursos necessários para fazer o disco que quis.
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