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Editorial: Combate ao racismo, sem negacionismo
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Editorial: Combate ao racismo, sem negacionismo

Tipo Opinião

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, preto, por espancamento no estacionamento de um supermercado em Porto Alegre, expõe mais uma vez a banalidade com a qual é tirada a vida de cidadãos brasileiros, discriminados pela cor da sua pele. As presenças da esposa, de curiosos e de câmeras não foram suficientes para impedir o crime brutal; na verdade, tornou apenas mais evidente que não há limites para a violência e a dimensão das diferenças nos tratamentos dados entre negros e brancos, pobres e ricos.

A morte de João Alberto, o Beto, como era chamado, infelizmente não representa um caso isolado. Beto é mais uma vítima do racismo estrutural do Brasil onde, independente do que a pessoa tenha feito, há um julgamento preliminar e acelerado pela sua cor, feito em frações de segundos, sem direito a nenhum tribunal prévio, cujos resultados em muitos casos é a morte.

É comum ouvir relatos de mães negras sobre a preocupação com os seus filhos; o temor de que eles sejam tratados como bandidos pela cor da pele é uma constante. Essa não é uma questão séria somente nos Estados Unidos, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão - essa é uma realidade brasileira.

O caso de Beto se assemelha ao ocorrido com o norte-americano George Floyd, estrangulado por um policial branco que se ajoelhou no seu pescoço durante uma abordagem no dia 25 de maio, em Minneapolis. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no último sábado, chegou a lembrar as similaridades do crime e afirmou que a "esquerda brasileira conseguiu o seu George Floyd".

Até onde se sabe, o assassinato de Beto teve uma motivação banal e não foi orquestrada por nenhum movimento de esquerda. Foi mais um caso de assassinato brutal de um cidadão preto por uma violência injustificável.

O vice-presidente Mourão tem razão ao dizer que o racismo brasileiro é diferente do norte-americano, mas isso não quer dizer que ele não exista. Como já escreveu o sociólogo Darcy Ribeiro, há consequências perversas da "negritude brasileira" em vasta escalas de gradações. Uma delas seria a quebra da solidariedade entre o contingente negro e até a dificuldade no reconhecimento da cor da pele, levando a comentários como o de Mourão, que negam uma realidade perversa.

Até 2001, pelos dados do Ipea, 45% da população brasileira era negra, mas havia a expectativa de um contingente muito maior. É inegável a evolução neste sentido: no Brasil, atualmente, 56% da população se reconhece como pretos ou pardos, mas, deste contingente, 64,4% fazem parte da lista dos 12,7 milhões de desempregados.

Essa é mais uma face do nosso racismo estrutural. Os negros representam apenas 34,6% dos que conseguem concluir a faculdade e, mesmo quando conseguem maior formação intelectual, ainda há discriminação no trabalho, conforme revela pesquisa da empresa de recrutamento Catho. Pelo levantamento da companhia, os negros que chegam a cargos diretoria recebem 30% menos que os brancos.

O negacionismo do governo nesses casos agrava a questão. Somente através do reconhecimento é possível criar estratégias de superação dos problemas. Caso contrário, continuaremos a assistir à perpetuação do medo e dos crimes bárbaros.

 

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