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Artigo - "A educação nua"
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O jornalista Eliomar de Lima escreve sobre política, economia e assuntos cotidianos na coluna e no Blog que levam seu nome. Responsável por flashes diários na rádio O POVO/CBN e na CBN Cariri.

Artigo - "A educação nua"

Com o título "A educação nua", eis artigo de Juliana Diniz, doutora em Direito e professora da UFC. Ela aborda novo livro do filosófico Giorgio Agamben, que trata sobre pandemia e educação. Confira:
Tipo Opinião
Juliana Diniz, professora da UFC (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Juliana Diniz, professora da UFC

Escrevi há semanas que a crise da saúde despertou nas pessoas uma sede por filosofia: em tempos disruptivos, precisamos encontrar sentido para a experiência traumática de perder o controle sobre a vida. Por isso, tem sido uma temporada fértil para publicação de ensaios que reflitam sobre o que significa atravessar este caminho de angústias e distanciamento. Giorgio Agamben é um dos autores cujos textos foram publicados no Brasil: o livro Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia saiu pela Editora Boitempo e reúne artigos recentes escritos pelo filósofo.

Na obra, Agamben revelou estar estupefato com o que chamou de rápida degradação moral da Itália: como uma sociedade inspirada pelo humanismo cristão pôde tolerar que, a pretexto do imperativo de sobrevivência, seus idosos fossem deixados para morrer em solidão, sem ritos fúnebres ou qualquer tipo de cuidado cerimonial com a perda? Em outra provocação, o filósofo pergunta: o que uma vida reorientada para o "isolamento social" duradouro pode significar em termos de desumanização?

As reflexões de Agamben têm me ajudado a pensar sobre uma incômoda e persistente sensação de clausura não só física, mas existencial. No percurso de seu argumento, o italiano recupera a concepção aristotélica de ser humano para defender que o homem é um ser cuja existência tem uma dupla dimensão: biológica e política. Ao mesmo tempo em que temos um corpo com necessidades e apetites, precisamos constantemente nos relacionar com os demais para alcançar o que podemos chamar de "boa vida". Não só a nossa máquina precisa de atenção: só nos sentimos vivos quando buscamos dar sentido à nossa vida através da experiência da cultura e do encontro com o outro.

Segundo Agamben, a pandemia nos deixou reféns de um estado de exceção onde, para sobreviver, reduzimos nossa existência ao que ele chama de "vida nua", uma vida restrita à dimensão biológica, um corpo sobrevivente, mas sem alma. Este tem sido tempo que nos desumaniza porque fomos forçados a, em nome da preservação, reduzir a quase zero nossa experiência social. Sua reflexão filosófica permite pensar sobre o que se tem feito de uma das experiências mais fundamentais para a sociedade: a educação.

Colegas professores do ensino superior têm manifestado entusiasmo com a "descoberta" do ensino à distância: para muitos, a massificação do ensino remoto é uma tendência impulsionada pela pandemia que deve ficar e transformar de forma profunda não só a universidade, mas o mundo do trabalho como um todo. O futuro, dizem os otimistas, é virtual.

Eu, do lado de cá, me coloco junto com Agamben entre aqueles que entendem o encontro com o outro como um dos caminhos fundamentais para a humanização. Conceber um ensino integralmente mediado pelas máquinas é uma aberração que reduz a aprendizagem a um processo frio de acúmulo de informações. Aristóteles nos inspira a resistir a essa tendência. Como professora, estou disposta a manter uma relação desconfiada com as telas: ela não oferece a riqueza da presença, não permite a interpretação das múltiplas linguagens do corpo, é, quando muito, um frio arremedo que me lembra da vocação da sala de aula como espaço vivo de convívio.

*Juliana Diniz,

Doutora em Direito e professora da UFC.

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