Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Manaus vive uma calamidade que é uma vergonha para qualquer governante, de qualquer esfera. Uma tragédia humana. A pandemia recrudesce com força. Há mutação do vírus. Mas, não se constrói tamanho absurdo sem a soma de incompetências. Por esse e outros motivos, o presidente Jair Bolsonaro está preocupado. Tanto que ele, que tinha dito que não precisava de pressa pela vacina, ia mandar um avião para a Índia buscar as doses, sendo que a Índia respondeu que não podia mandar. Bolsonaro está bem preocupado, mas não é por causa do colapso em Manaus. Ao menos não é o que ele demonstra. Não é porque segue morrendo gente. Não é porque a vacinação já ocorre em outros países, inclusive aqui ao lado, na Argentina, inclusive no Chile. Principalmente nos Estados Unidos, ainda do Donald Trump, e na China. Bolsonaro está preocupado, sim, porque não quer levar a culpa. Como se isso fosse possível. Já escrevi, Bolsonaro nunca quis o trabalho de governar. Nunca quis os deveres, as obrigações, os sacrifícios, os desgostos, os problemas. Bolsonaro nunca quis a responsabilidade de governar. Ele sonhava com o poder. Queria mandar e ser obedecido. E pronto.
Néscio, ele imagina que o País pode estar mergulhado num colapso e as pessoas imaginarem: o presidente não tem culpa. Ora, no mínimo, para acontecer isso, o presidente terá sido fraco, omisso, incapaz. No mínimo. Não podia fazer nada. Francamente.
Não levar a culpa é uma síntese de Bolsonaro. Em março do ano passado, ele deu a tônica do que seria sua preocupação em toda a pandemia: "Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo". A pandemia estava no começo e o presidente estava preocupado com mortes? Coisa nenhuma. Preocupava-se com o estrago de uma crise econômica para o governo dele. Bolsonaro só se preocupa com ele. E com a família dele, os filhos dele. Que ele também se preocupa em não deixar eles levarem culpas outras pelas quais possam responder.
A situação de restrições que temos vivido em função da Covid-19 é frustrante, claro. Na melhor das hipóteses é frustrante. Para milhões de pessoas que passaram pelo drama é mais que frustrante, para centenas de milhares de famílias que sepultaram seus mortos sem nem ao menos poder velá-los adequadamente, é muito pior que frustrante. Para muitos outros, é, sim, frustrante. É o melhor sentimento que se pode nutrir em relação a esse momento. Ninguém gosta de restrições e proibições e muita gente é economicamente afetada por isso. Emocionalmente também.
Há contradições, sim. Estabelecimentos têm restrições para funcionar, mas Fortaleza tem tido festas de rua lotadas, que servem para disseminar a doença. Sempre se aponta para os ônibus lotados. Aí não culpo as pessoas. Não sei se podem escolher não se deslocar. Não creio que tenham alternativa. Era o caso de o poder público dar condições mais adequadas para reduzir a lotação — já fora da pandemia, agora ainda mais.
O que me intriga é que parece que o interesse em conter a pandemia é do governador, do prefeito, do secretário estadual ou da secretária municipal de Saúde. Do presidente da República nunca pareceu que seja preocupação. Mas, de resto, as pessoas veem ônibus lotado e dizem: "Ah, mas aí o governador não quer que eu vá para festa". "Ah, o prefeito deixa o ônibus lotado, mas quer que meu estabelecimento feche mais cedo." E a pessoa resolve: como o ônibus está cheio, ela vai para a festa. Como a praia está lotada, ela faz coro à irresponsabilidade e chuta as recomendações sanitárias. Parece que as medidas para conter a pandemia são um favor para prefeito, para governador.
Ocorre que o interesse em controlar a Covid-19 não é de governo. É da população. Quem mais sofre com isso é o povo. As recorrentes situações de aglomerações, que se repetem, devem ser denunciadas. E se deve cobrar do poder público que dê solução. Do contrário, desrespeitar as regras sanitárias não vai afrontar governador, incomodar prefeito ou irritar jornalista. Quem vai sofrer é quem se contaminar e levar a doença aos seus.
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