Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Se Donald Trump não tivesse sido eleito presidente dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro não seria hoje presidente do Brasil. É o tipo de afirmação fácil de fazer. Não existe uma realidade paralela em que se possa averiguar a hipótese. Só se estivéssemos em filme da Marvel e o Doutor Estranho usasse sua joia para ver um futuro alternativo. Diante da improbabilidade de ser contradito, repito: Bolsonaro não seria hoje presidente da República se Trump não tivesse sido eleito dois anos antes.
A ambição presidencial de Bolsonaro começou a se explicitar em 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff (PT). Bolsonaro já tinha um discurso, já tinha um olhar sobre o potencial eleitoral de exploração do conservadorismo encrustado no brasileiro. O que a eleição de Trump deu a ele foi um método, uma estratégia de propaganda, de uso das redes sociais, de dados dos usuários, para vencer as eleições.
Mais que isso: Trump era um sinal para o mercado, para eleitores, de que alguém com aquele perfil estava na moda. De que era capaz de governar. E aí vai o juízo de cada um sobre o que significa capacidade.
Bolsonaro já dá repetitivos sinais de que também pode se inspirar na forma como Trump deixa a Casa Branca. O fim do mandato do presidente americano e a confirmação de Joe Biden como novo governante ocorrem em meio à invasão do Capitólio, o Congresso dos Estados Unidos, com cenas antes impensáveis de violência e mortes. Bolsonaro disse que, no Brasil, pode ser até pior.
O recado do presidente brasileiro é pavoroso. Bolsonaro não tem histórico democrático, ao contrário. Faz homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, recorrentemente denunciado como um dos mais violentos agentes da ditadura militar. Antes da eleição em 2018, afirmou que não aceitaria outro resultado que não a vitória dele. Autoritarismo em estado puro. Em março do ano passado, disse que tinha provas de que a eleição dele foi fraudada. Isso mesmo, a eleição que ele venceu. O presidente disse que ia mostrar provas. Dez meses depois, disse que prova era esta: os números da apuração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que mostraram por algum tempo ele vencendo no primeiro turno. O presidente parece que descobriu a apuração. Que os votos vão sendo contabilizados e os números vão mudando. "Quer maior indício disso?", indagou Bolsonaro. Para acusar uma fraude eleitoral? Quero muito mais. Isso nem inicia a conversa.
Dá para confiar no espírito democrático de um apoiador da ditadura, que diz que a decisão sobre a democracia não é do povo, mas das Forças Armadas, que antes da eleição afirmou que não aceitaria derrota e depois, mesmo ganhando, falou que houve fraude? Dá para acreditar que, se derrotado for, Bolsonaro passará o poder serenamente?
O melhor do raciocínio de Bolsonaro é: o problema nos Estados Unidos ocorreu porque não teve voto impresso, não é? Errado! Tem voto impresso sim. Tanto que teve recontagens inúmeras. Grande parte da demora e do tumulto foi feito para pressionar as recontagens, que não deram em nada e Trump não reconheceu.
Bolsonaro não quer voto impresso para evitar confusão. Ele quer voto impresso para, se perder, pedir recontagem, tumultuar e assim, fazer uma bagunça pior que a que Trump tem feito. Tal qual tem sido o governo Bolsonaro — uma confusão inacreditavelmente maior que a de Trump.
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