Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Atrapalhado é o adjetivo mais elogioso que se pode atribuir à postura do Governo Federal no enfrentamento ao coronavírus. Por mais defensor que você, caro leitor, possa ser das iniciativas do presidente, você haverá de convir que o governo está metendo os pés pelas mãos.
Suponha que você ache uma boa medida suspender contratos de trabalho, e salários dos trabalhadores, portanto, durante a presente crise. Admitamos que você concorda que preservar a saúde financeira das empresas é garantir que os trabalhadores não sejam desempregados. E vamos convir que seja natural anunciar ações para as empresas antes que para os funcionários. Que seja normal que a medida para beneficiar os trabalhadores pareça prejudicá-los.
Pois bem, horas depois, o presidente Jair Bolsonaro desiste da medida e diz que fará outra coisa. Ele admitiu que a medida gerou insegurança para todo mundo.
Ora, não dá para defender as duas coisas. Não dá para dizer que o governo estava certo na ação e no recuo. Alguns ainda defendem que ele voltou atrás por causa da pressão política. Ora, mas não sabia que haveria pressão? O governo lança uma medida provisória com potencial impacto desse tamanho na vida de milhões de pessoas e não estava bem seguro disso? Não fez o cálculo político do impacto, inclusive? Lança uma ação dessas sem convicção de que ela é necessária?
Porque, francamente, um governo não tem direito de propor precedente tão extremo quanto suspensão do salário dos trabalhadores se não estiver convicto de que é a última opção. E, se souber que é a última opção, não recua horas depois, argumentando que vai pensar em outra coisa.
O ministro Paulo Guedes, o superministro da Economia, disse que houve erro de redação. Como é que é? Os caras me lançam uma medida provisória para permitir a suspensão do salário dos trabalhadores durante uma pandemia e não revisam direito? Não é erro de português. Erro de conteúdo mesmo. E, supostamente, no conteúdo que deveria dar garantia a trabalhadores?
Sinceramente, chamar o governo de atrapalhado é até elogio.
Sucessão de desencontros
Vamos a mais um episódio em que não dá para defender o governo Bolsonaro. Na tarde de domingo, em entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson Kléber de Oliveira, reforçaram que a recomendação é de isolamento social, sim. Na noite daquele dia, foi exibida entrevista do presidente na qual ele diz que a população descobrirá que foi enganada pelos governadores e pela imprensa e que as medidas são exageradas.
Ora, se há exagero, isso passa pelo governo dele, que também recomenda o isolamento. Ao menos parte do governo, porque há segmentos que atuam em direção contrária.
Inclusive, o secretário de Vigilância em Saúde, na mesma entrevista de domingo, citou a veiculação de um vídeo antigo do médico Drauzio Varella, com uma recomendação também antiga. Wanderson de Oliveira destacou que Varella já havia gravado vídeo atual com outro teor. Ocorre que a divulgação do vídeo antigo e descontextualizado foi feita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
E o secretário fez o registro não para defender Drauzio. Mas, por saber que a difusão da informação deslocada causa confusão e atrapalha a estratégia da área de saúde do próprio governo. O governo é atrapalhado e atrapalha a si próprio.
Erros que seriam graves numa conjuntura normal agora são trágicos e colocam vidas em risco.
Ao anunciar o recuo em relação à medida provisória da suspensão de salário, Bolsonaro falou na criação de uma "crise desnecessária". É uma definição que abarca muita coisa. Praticamente um governo inteiro.
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