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O Brasil dividido no meio de uma pandemia
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O Brasil dividido no meio de uma pandemia

Tipo Opinião

O mundo hoje se divide por causa de quase tudo. O assunto mais besta, seja um reality show ou uma marca de celular, é capaz de mobilizar fúrias atávicas. Mas, nunca pensei que veria disputa política relacionada ao enfrentamento a uma pandemia. Jamais vi nada do tipo. Claro, houve muitas divergências sobre se a quantidade de recursos destinados a uma estratégia de saúde era a necessária, sobre a forma de aplicação. Mas, não lembro de haver disputa sobre seguir ou não a orientação das autoridades de saúde. Contra o Aedes aegypti, o sarampo, o cólera, contra nenhuma doença me recordo de haver um debate político sobre questões terapêuticas e estratégicas de enfrentamento às epidemias. Nunca vi tamanha divergência sobre quais ações adotar numa emergência desse tamanho.

Até já houve, sim, debates sobre as melhores opções de tratamento. Por exemplo, na virada do século XIX para o século XX, o Ceará foi acometido por uma epidemia de varíola. O farmacêutico Rodolfo Teófilo empenhou-se para produzir vacina em território cearense - a que vinha de fora, sem condições adequadas para ser acondicionada, frequentemente perdia as propriedades. Enfrentou descrédito dos colegas, que não acreditavam que isso fosse possível no calor cearense. O governo não deu apoio. Quando conseguiu, pouca gente foi atrás da vacinação gratuita. Mas, Teófilo passou a publicar anúncios nos jornais com descrições detalhadas sobre o estrago causado pela varíola, a agonia dos doentes. Queria provocar medo e levar as pessoas a se vacinarem. Conseguiu. Em 16 de fevereiro de 1901, o próprio presidente do Estado (equivalente ao atual governador) apareceu para ser vacinado. O poder público reconheceu o trabalho da autoridade em saúde.

O mundo estava saindo do século XIX e era outro. As crendices e superstições já eram passado. Ainda assim, era diferente o que havia naquela época, da falta de poder e descrédito do poder público, da ação francamente antagônica existente hoje. Estados e municípios em uma direção e Governo Federal na direção oposta. E a disputa envolve aspectos políticos e eleitorais. Um vexame.

Para haver inspeção de passageiros que chegam ao aeroporto de Fortaleza, Governo do Estado precisou ir à Justiça contra a Anvisa
Para haver inspeção de passageiros que chegam ao aeroporto de Fortaleza, Governo do Estado precisou ir à Justiça contra a Anvisa (Foto: GOVERNO DO CEARÁ/DIVULGAÇÃO)

Disputa judicial a esta altura

Chega a ser ridículo: o Governo do Ceará foi à Justiça para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colabore com o Estado na realização de barreira sanitária para triagem e prevenção dos casos suspeitos que chegam ao aeroporto de Fortaleza. A Justiça entendeu que a Anvisa estava sendo omissa.

O Estado também obteve liminar para impedir o desembarque no aeroporto de Fortaleza de estrangeiros provenientes de todos os países que tenham casos oficialmente confirmados do novo coronavírus. A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu e conseguiu derrubar a medida. Ontem, o Governo Federal, por recomendação da supracitada Anvisa, proibiu por 30 dias a entrada de estrangeiros de todas as nacionalidades que chegarem ao Brasil por aeroportos.

O intervalo de menos de 48 horas entre o Governo Federal derrubar a liminar com restrição em Fortaleza e adotar medida ainda mais restritiva de caráter nacional foi o bastante para desembarcarem em Fortaleza alguns voos de países com casos de coronavírus. O primeiro deles dos Estados Unidos, que se tornou o país com mais casos contabilizados.

E, na tarde de ontem, a Justiça Federal proibiu o Governo Federal de adotar medidas contrárias ao isolamento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra o coronavírus e suspendeu os trechos dos decretos que permitiam funcionamento de igrejas e casas lotéricas.

Olha, para além das especificidades de cada questão, é um absurdo completo que, no meio de uma das maiores emergências globais que a humanidade já enfrentou, governantes brasileiros percam energia com briga judicial. Isso porque não se entendem quanto a seguir o cânone adotado no mundo todo. Isso é inaceitável e é irresponsável. Custará muitas vidas.

Foto do Érico Firmo

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