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Carta urgente para um destino comum
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Carta urgente para um destino comum

Tipo Crônica

A Carta em defesa do Estado Democrático de Direito, assinada por significativa parte da sociedade civil brasileira e que rejeita as movimentações de natureza totalitária do atual presidente da República, lida publicamente no último dia 11 na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e em outros lugares do País, é urgente e tem destino comum.

Essa manifestação traz em sua essência uma proposta de entendimento conceitual e desejável dos valores democráticos, integrando sem discriminação visões liberais clássicas, compensatórias e interseccionais, ante a politização da ilusão e da vida moral. Representa a dimensão prática da força da sociedade organizada em seu despertar para fazer valer a dinâmica das diferenças em um cenário de injustiças representativas.

Com essa carta, a sociedade civil, enquanto instância permanente da vida social e política brasileira, assume a responsabilidade de combater o golpismo, ao tempo em que revela inspiradores sinais de independência, em uma país marcado pelo espírito da servidão. Dos mais beneficiados com a concentração da riqueza às pessoas mais vulneráveis, há no Brasil o vício de que ser educado é agradar a quem manda.

No artigo "A democracia empírica" (Vida&Arte, 30/09/2003), reflito sobre o quanto a educação brasileira é displicente na nossa preparação para a democracia. Historicamente as lideranças que controlam os poderes republicanos não entendem ou fingem não entender que é a cultura que orienta os sentimentos mais profundos de uma sociedade. Daí os permanentes ataques ou tentativas de controle das manifestações culturais.

Quanto mais impaciente for um povo para a geração de consensos, mais a política das segregações avança, favorecendo o poder de quem aposta na intriga, nos nichos e na ação dos disseminadores de desconfiança. Há duas décadas, quando me dei conta do nosso empirismo democrático, percebi que os quereres lógicos e psicológicos da brasilidade desenvolveram uma sensibilidade democrática pela periferia da nossa consciência.

Vez por outra, essa sensibilidade perdida entre os contrastes da abundância e da escassez vem à tona em forma de alerta racional. É o caso louvável da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!", tanto em sua versão de 1977, quando fez frente à ilegitimidade do governo militar e ao estado de exceção, como a deste ano de 2022, que dá um basta nas manobras golpistas centradas nas tentativas de erosão do sistema eleitoral e de condenação das urnas eletrônicas.

O antidemocratismo instalado no Brasil parece ter dois grandes impulsionadores: o fato de governos terem assumido a agenda moral da sociedade como agenda de Estado, e a necessidade de as elites conservadoras terem encontrado um aventureiro sinistro, violento e multifóbico para fazer o trabalho sujo de promoção da descontinuidade do modelo de governança voltado para a justiça social.

Entre raros estadistas e muitos populistas, a população, o povo acaba confundindo as instituições democráticas com os seus ocupantes. Deste modo, o desprezo às estruturas constitucionais republicanas passa à margem da vida pública, movido por duas carências pouco democráticas: uma paternal, no sentido de provedor, e outra maternal, no sentido de cuidador. É nesse cenário que a Carta pela Democracia chega para possibilitar um propósito de troca entre verdades, como algo muito mais importante do que ser dono de qualquer delas.

Foto do Flávio Paiva

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