Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Tomei assento em uma cadeira bem à frente do picadeiro. A lona circular - que quando eu era criança chamávamos de empanada -, o teto cônico, a plateia cogeracional, figurino vibrante, cenografia com painéis de LED, banda ao vivo e dezenas de artistas tocando a desordem como ponto de perfeição. Nada ali era a mesma coisa, embora no ambiente climatizado do Circo do Tiru, instalado no estacionamento do RioMar Fortaleza, tudo me parecesse um misto de raiz e enxertia circense.
O espetáculo "Nordestinamente - Em busca do primeiro palhaço" é feito de matizes sensoriais, morais e cognitivas, em múltiplos e variados números de divertida transgressão entre o espanto e o cômico. Artistas dos movimentos ritmados do corpo (dança), do susto (acrobacia), do drama (esquetes teatrais), da música (Os Florentinos) e do exagero (palhaçaria) atuam em um picadeiro de cores envolventes dessa companhia que esteve na televisão e passou a adotar a itinerância que marca a história do circo.
O Circo do Tiru apresenta temas de referência tradicional do circo, ao tempo que assume espaços no campo circense contemporâneo. Idealizado pelo palhaço Tirullipa, o empreendimento está próximo das conquistas mambembes e profissionais do pai Tiririca e da ousadia da mãe Regione, que fugiu com o circo por causa do palhaço. Passa também pelas experiências de tantos humoristas cearenses que acumularam histórias em pizzarias, churrascarias e pequenos teatros de Fortaleza.
O público consome ausência de infância e de linguagem popular, e o calor de molecagem desse circo vai além, quebrando linearidades ao lançar-se às possibilidades atuais do entretenimento. No Circo do Tiru, observei a potência em busca do ato pela vontade interna de se expandir, de ser grande, de autoafirmar-se e alcançar novos patamares de vitalidade a partir do jeito invocado cearense de vicejar e superar adversidades pela força do riso. Não por acaso, o fio condutor do espetáculo é a superação.
A busca pelo primeiro palhaço, entre gracejos e melancolia, às vezes soa como autoajuda e destoa da riqueza e da beleza dos números exibidos. Todavia, o sentido dessa procura é trabalhado dentro de uma mística que revela a existência de um palhaço dentro de cada pessoa, e que é muito importante deixá-lo sair. Palhaço não é personagem; palhaço é a parte engraçada de alguém que se exterioriza. No Circo do Tiru, o primeiro palhaço é esse que está dentro de todos nós e que, em vez de reclamar de uma topada, ri dos tropeços para seguir em frente.
Uma das reações da plateia que mais traduz o espírito de enfrentamento do destino no circo é quando o artista é aplaudido por falhar. Mesmo vendo a rede de proteção, o público não acredita na queda do trapezista. Quando este perde o tempo da sustentação e cai, rompe-se a ilusão do corpo infalível e estabelece-se o ponto de fuga da apreensão, como se, aliviado, o público se desse conta de que o risco não é tão arriscado assim. Nestes momentos, o encanto de ludicidade vira admiração pelo esforço, em um gesto de empatia coletiva de superação.
Entre pipoca e algodão doce, o palhaço mantém-se como o condutor de vínculos no espetáculo. Sem contar com os improvisos cômicos em números como o que as crianças são instigadas a indicar os pais para 'passarem vergonha no palco' e o da antiga brincadeira da abelha que pega mel para colocar na boca de alguém, aproveita para se alimentar e termina com um esguicho de água no rosto do interlocutor. Todo mundo ri, e como faz bem rir das coisas mais simples.
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