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Um indecente papo de botequim
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

Um indecente papo de botequim

Tipo Análise

Segio Moro e a Lava Jato
Foto: Carlus Campos
Segio Moro e a Lava Jato

Precisamos falar da Lava Jato, a operação que se vendeu como uma virada definitiva na luta de sempre do Brasil contra a corrupção e que enfrenta um momento que ameaça lhe remeter direto ao lixo da história. Há um estágio novo na crise iniciada com a história dos vazamentos de conversas de grupos dos quais faziam parte investigadores e, nele, complica-se bastante a situação da midiática turma do Ministério Público que ditou o ritmo da agenda da política nacional durante anos, a partir das investigações que comandavam desde Curitiba. O ex-juiz federal Sergio Moro também terá muito que se explicar diante do que tem sido revelado.

A questão principal do debate, agora, é que não se trata de um conjunto de informações sobre as conversas, parte delas absolutamente criminosas do ponto de vista do que é permitido a agentes públicos, obtidas por jornalistas junto a fontes desconhecidas etc e tal. Esta é a etapa anterior, que gerou uma operação da Polícia Federal, batizada de Spoofing - ironicamente coordenada pelo então ministro Sergio Moro -, e que levou à identificação e prisão do hacker que detonou toda a situação, mas, principalmente, obrigou a realização de uma perícia em cima do material, hoje, por isso, reconhecido como oficial.

Eis a má notícia para Deltan Dalagnol e colegas da Lava Jato, tanto quanto para Moro. Há um atestado emitido pela PF, na qual ambos devem confiar, imagino, dizendo que não existe montagem e o conteúdo recolhido, coisa de sete terabytes, um mundo de informações, é "quente". Ali tem procuradores conversando entre eles coisas que não se conversa nem mesmo numa mesa de bar, com toda a permissividade que tais ambientes possibilitam. Zomba-se de defeitos físicos, tripudia-se de situações em que há mortes envolvidas, até de crianças, coisa no geral deplorável, embora, sob um determinado ângulo, merecedor apenas de uma recriminação. Civilizatória, talvez. Porém, há trechos outros que simplesmente fulminam o devido processo legal, é algo objetivo e técnico.

Claro que conversar é possível, não se deve exigir que as partes sejam inimigas, mas os diálogos pelo Telegram dos quais participam procuradores e o juiz, ou nas quais relata-se ações articuladas entre eles, indicam muito mais do que aquilo que se tem como legalmente permitido. Há um magistrado, cuja tarefa no final seria decidir se as provas condenam ou inocentam o acusado, que reclama da pouca ênfase de alguém do Ministério Público durante uma inquirição, que comemora uma denúncia, que orienta, que chega a ajustar fases de operações policiais para lhes dar mais efetividade, enfim, tem-se ali muito mais do que sinais de um relacionamento possível. O distanciamento que Moro demonstra, por exemplo, é nenhum.

O material que tem sido divulgado a conta-gotas pela defesa do ex-presidente Lula, um dos nomes mais presentes às conversas captadas, pelo menos em seus trechos mais indecentes, deve servir de base a um julgamento da suspeição de Sergio Moro na primeira condenação ao petista, pelo caso do triplex no Guarujá, e tem deixado muita gente estarrecida, inclusive entre os que seguem (ou seguiam) defendendo a Lava Jato.

Para Dallagnol, Moro e os demais envolvidos enfrentarem a situação mostrando que ainda há razão para seguir lhes dando crédito é preciso um gesto mais forte do que até agora foram capazes de oferecer. Deveriam eles vir a público dizer, simplesmente, que nunca aconteceram aqueles conversas, ao menos nos pontos que indicam conluios e articulação ilegal entre acusadores e juiz. Alegar que não lembra ou sugerir edições pode até ajudar na fase jurídica, mas será fatal no aspecto político da discussão, aquele que o estilo Lava Jato, com estímulo permanente do seu coordenador, cuidava de colocar como foco prioritário de todos os passos que a força tarefa dava no seu propósito quase obsessivo de condenar Lula.

 

Pequeno exemplo, grande gesto

De maus exemplos a política brasileira já anda cheia. Vou abrir espaço aqui para uma referência positiva que vem de lá (da política) e que acontece em Senador Sá, pequeno e pobre município do Norte do Ceará. Ao assumir o cargo, em janeiro, e diante do cenário pavoroso à volta, o prefeito Bel Júnior, do PP, anunciou redução de 37% nos seus vencimentos e de 60% no dos secretários municipais. Mesmo que não vá resolver o problema, pelo volume, é um gesto de símbolo importante para o momento.

O limite da educação

Muita gente notou a mudança de tom e de atitude do governador Camilo Santana (PT) no novo episódio de tensão com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com a vinda dele ao Ceará. Antes, o petista respondia pelo silêncio ou parecia fazer algum cálculo antes de reagir a alguma provocação de Brasília. Agora, foi claro, objetivo e direto ao se colocar como contraponto às atitudes de incentivo às aglomerações durante a permanência de Bolsonaro entre nós. Ganhou pontos no petismo nacional, sem dúvida.

Na contramão de Bolsonaro

Antipetista, aliado do governo Bolsonaro em muitos pontos, o senador cearense Eduardo Girão, do Podemos, volta a aplicar o critério da independência para ir de encontro aos interesses do Palácio do Planalto. Ele anuncia apoio total a Projeto de Decreto Legislativo do oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede/RR) que tenta sustar as medidas estabelecidas pelo presidente, por decreto, flexibilizando o porte de armas. Girão é um histórico opositor da ideia de proliferação de armas de fogo no Brasil.

O anúncio ficou no anúncio

Deu em nada até agora, no frigir dos ovos, a ameaça do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, de tomar do deputado federal Pedro Bezerra o comando da sigla no Ceará, o que aconteceria (e não aconteceu) já na segunda-feira passada, dia 22. Represália, lembre-se, ao voto do parlamentar pela prisão do colega bolsonarista Daniel Silveira. Novidade mesmo no período apenas que o Daniel em questão, na cadeia, teria assinado ficha de filiação ao partido. Tudo a ver.

Ter opinião pode. E perguntar?

Aliás, a turma que defende a liberdade de expressão (ótima bandeira), precisa dar uma corrida até o Acre para apoiar o jornalista João Renato Jácome. Ele foi demitido de cargo que ocupava na prefeitura de Rio Branco por ter importunado o presidente Jair Bolsonaro, fazendo trabalho de freelancer para a agência Estado, ao indagá-lo sobre a situação do filho, Flávio, no STJ. Veja bem, não é o direito de ter opinião que se viu posto em xeque, mas, pior ainda, o de simplesmente perguntar.

A briga vai ser grande

Prefeitos cearenses começam a fazer chegar aos deputados da bancada federal a preocupação de todos eles com a ideia de que se possa acabar com os limites de gastos públicos com educação e saúde, dentro de uma cesta compensatória para abrir espaço para o dinheiro da ajuda emergencial. Por enquanto o movimento é tímido, porque no próprio Congresso a coisa tem dificuldade para andar, mas, à medida em que isso aconteça, o barulho tende a ser grande. A pressão também.

 

O médico, pesquisador e neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis
Foto: ANDRÉ LESSA/AE
O médico, pesquisador e neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis

Por que que Nicolelis saiu

A saída do cientista Miguel Nicolelis da coordenação do comitê científico do Consórcio Nordeste é resultado, na verdade, do choque cada vez maior entre o que defende o grupo técnico e o quer (ou permite) o lado político dos governos da região. Um defende medidas mais duras de restrição das atividades, apontando a seriedade do momento e as perspectivas de agravamento, enquanto o outro quer a normalidade possível, a partir de cálculos políticos sobre o que representaria impor mais dificuldades às atividades econômicas.

Talvez seja possível compreender ambas as posições. Porém, quem acha alarmista o tom de Nicolelis, que fala hoje na necessidade de parar total o País para conter o vírus, poderia fazer uma rápida pesquisa sobre a situação atual e recordar como a maioria de nós, leigos em termos de ciência, reagíamos, lá no começo da crise, àquelas previsões de 200 mil, 300 mil mortes que a turma da ciência fazia quando contávamos as vítimas no País ainda usando apenas os dedos das mãos.

Acontece que a turma está cansada de gritar e não ser ouvida. Mais do que isso, de ser ignorada e até atacada pela defesa do que consideram certo e que vai ficando claro que é o que precisa ser feito para se evitar uma tragédia maior do que a que temos assistido. Para agravar tudo, ainda há um presidente da República, com a força do cargo, da voz e da popularidade, oferecendo palco e força à turma do contra. Nicolelis cansou e resta torcer que os outros ainda disponham de energia para uma briga que, infelizmente, ainda está longe do seu final.

 

Foto do Guálter George

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