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A crise avança e os atores se movimentam
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

A crise avança e os atores se movimentam

Tipo Opinião

O dia de ontem fechou uma semana que apresentou novidades em relação a como as coisas se desenvolviam desde quando a crise da saúde tomou de conta da pauta e passou a dominar a agenda dos que comandam as várias instâncias do Poder Executivo, nos planos federal, estadual e municipais. É uma mudança difícil mesmo de ser percebida pelo seu grau de sutileza, mas, por exemplo, o prefeito Roberto Cláudio (PDT) fez um ligeiro movimento para ampliar o próprio espaço de ocupação, nos limites de sua competência.

O problema, se o termo é adequado, está sendo a força da atuação do governador Camilo Santana (PT). A verdade é que ela tem tirado um pouco da possibilidade de protagonismo de alguns outros atores inseridos no ambiente das decisões públicas diante do cenário terrível de crise gerado pela indesejada entrada em cena do novo coronavírus. Um destes atores, o próprio Roberto Cláudio, que, porém, começa a criar seu próprio campo de ação e se apresentar de maneira mais clara como um dos responsáveis pela resposta do Estado aos desafios de uma pandemia de efeitos avassaladores.

Um aspecto dos últimos dias é o sensível aumento na presença de RC nas redes sociais para exercer um papel de liderança que é naturalmente seu. Lembre-se que o Ceará aparece com destaque entre os estados mais afetados pela disseminação do vírus, num cenário em que Fortaleza, a capital, concentra uma maioria expressiva dos casos. Portanto, é onde o problema está presente com maior intensidade.

Há de se considerar que, ao contrário de Camilo, o prefeito de Fortaleza viveu dramas pessoais relacionados à situação, com ele próprio e dois parentes próximos - o pai Roberto Cláudio Frota Bezerra, ex-reitor da UFC, e o irmão Prisco Bezerra, suplente do senador Cid Gomes - acometidos da Covid-19. É natural, por isso, que parte de sua atenção em algum momento estivesse influenciada por situações particulares totalmente justificadas.

Seria injusto falar de omissão da parte de Roberto Cláudio e isso já foi apontado por aqui. A questão é que comparada à realidade de Fortaleza, em termos de comportamento das autoridades, percebia-se em situações como a de Salvador, onde ACM Neto é prefeito, e São Paulo, administrada por Bruno Covas, uma presença mais efetiva dos gestores municipais nas ações de enfrentamento ao novo vírus. Para citar apenas dois casos, de vários disponíveis. Lembrando-se que no exemplo paulistano, tal como cá, num quadro de alinhamento político com o governador, ou seja, em cenário onde também não há disputa de protagonismo entre adversários.

Para ser um pouco mais frio na análise do quadro, há um cálculo, eleitoral inclusive, a ser feito quando se tenta projetar como o prefeito sairá dessa crise, na perspectiva de sua imagem pública e do projeto que deve ter de manter seu grupo à frente da cidade. Sem o quadro dramático da saúde que se vive, estaria ele, agora, já com seu provável candidato de preferência definido, vendendo ao fortalezense a ideia de saúde financeira e administrativa do Município e sensibilizando para a tese da continuidade administrativa. Com a estratégia inicial atropelada pela realidade, resta a RC mostrar vigor político na crise, o que exige agora, necessariamente, sair um pouco da sombra de Camilo. O movimento pode ter começado.

A arte da quase guerra

Com planejamento e discrição, a turma que cuida da área internacional do governo do Ceará tem dado um silencioso show nas negociações para compra de equipamentos vitais aos profissionais de saúde no trabalho de combate à pandemia. O desembarque em Fortaleza daquelas 90 toneladas de carga que, dizem as autoridades, garantirá três meses de Equipamento de Proteção Individual (EPI), foi pensado, e executado, como uma autêntica operação de guerra.

O incrível "inimigo"

A tragédia está no fato de que o "inimigo" deveria ser aliado, pois tudo é feito para superar barreiras e dificuldades criadas pelo governo central, em Brasília. Boas relações internacionais e, para fazer o transporte desde a China, a opção por uma empresa aérea africana de porte que manteve suas operações quase normais em meio à pandemia, a Ethiopian Airlines, foram a chave da exitosa primeira operação. Outras devem vir.

De cima e de baixo

O senador Tasso Jereissati (PSDB) admite vir sofrendo pressão de colegas empresários para abandonar a defesa do isolamento social, bandeira que tem seu apoio como melhor (e talvez único, ainda) instrumento de combate ao quadro de pandemia com alguma eficácia para reduzir seus efeitos devastadores. Aliás, diz que, também é procurado por populares que defendem o direito de trabalhar. Sua posição, apesar disso tudo, segue sem alteração.

A agenda de Tedros

O professor cearense Bosco Monte mostrou força com o Instituto Brasil-África, que preside e que tem sede em Fortaleza, promovendo um debate virtual na semana do qual participou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom. Ao lado do prefeito Roberto Cláudio, ele discutiu, claro, o cenário da pandemia e até poupou de críticas o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, por diplomacia, papel que RC, sem precisar ser diplomático, cumpriu com competência.

Diplomacia paralela

O "sim" do diretor da OMS, um etíope, ao convite de Bosco Monte, abrindo espaço numa das agendas mais disputadas do mundo atualmente, diz muito do respeito que o cearense tem da comunidade africana diante do trabalho de aproximação com o Brasil que realiza há anos. Ainda mais quando o Itamaraty passa a desenvolver uma política de quase virar as costas ao continente, ampliando muito a importância referencial do professor e do instituto.

Um "E daí?" por dia

Cada um com seu senso de responsabilidade e compromisso com a vida das pessoas. O governador cearense Camilo Santana foi às redes sociais ontem para lamentar as 1.017 mortes por Covid-19 no Estado. Em Brasília, a 2.285 km, o presidente Jair Bolsonaro brincava de convidar as pessoas para um churrasco, depois desmentido, exatamente quando o País caminha para 10 mil mortes no País. E, sobre a trágica marca, silêncio.

FRASE

"Nenhum eleitor meu tem o direito de reclamar do meu apoio maciço ao Presidente. Em nenhum momento escondi que durante o meu mandato, se eleito fosse, seria soldado dele"

André Fernandes, deputado estadual, anunciando-se, pelo Twitter, adorador do presidente Bolsonaro e totalmente comprometido com ele, em reação a eleitores seus que exigiam a independência que o mandato popular lhe dá. Com a posição que adota, ele, por exemplo, abraça e chancela o comportamento do ídolo de insensibilidade com o sofrimento e as mortes de brasileiros diante do avanço do novo coronavírus

Acertos e erros do Ceará no combate ao coronavírus: ouça o podcast

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