Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados
Nos confins do estado de Santa Catarina segue resistindo o povo Xokleng, etnia indígena quase extinta em fins do século XIX e começos do século XX por força da ação de bandoleiros que, a serviço de particulares e mesmo dos governos, eram pagos para tomar a terra aos índios, matando e escravizando.
A ideia era que a terra fosse, como em grande medida foi, destinada à promoção do assentamento de colonos europeus que àquela parte do país acorreram, tangidos pela fome e miséria que então grassava solta na Europa.
A tragédia que se abateu sobre os Xokleng é mais um episódio dentre tantos no contexto maior de um genocídio praticado de modo sistemático contra os povos originários que habitavam e ainda habitam estas terras.
Não por acaso, Darcy Ribeiro, em seu livro "O Povo Brasileiro", uma das obras essenciais para entender "como o Brasil deu no que deu", para usar uma expressão cara ao antropólogo e primeiro reitor da UNB - Universidade de Brasília, erige a guerra de extermínio travada contra os povos indígenas à categoria de "elemento fundante da nacionalidade brasileira".
Povo esquecido e quase aniquilado, os Xokleng viram-se lançados ao centro de uma disputa judicial que pode representar o comprometimento definitivo das condições de existência material e espiritual dos povos indígenas.
Cuida-se do Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365,de Santa Catarina, sob a relatoria do ministro Edson Fachin, demanda que visa a expropriar o povo Xokleng de suas terras, mas que acabou por assumir foros de matéria constitucional de imensa relevância quando suscitada a tese do chamado marco temporal - é que, se vitoriosa a tese, tornar-se-iam passíveis de demarcação apenas as terras que estivessem ocupadas por indígenas em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A tese da fixação do marco temporal representa uma indisfarçada tentativa de limitar o âmbito de proteção dispensado pela norma do artigo 231 da Constituição Federal aos povos indígenas e, por consequência, o acesso a terras de ocupação tradicional, bem ao gosto de grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, impactando direta e violentamente na sobrevivência, na cultura e espiritualidade dos povos indígenas, que, diga-se, têm uma relação bem diferente da nossa, ditos "homens brancos civilizados", com a terra.
Através dela e nela os indígenas se conectam com a natureza e seus antepassados, mantém acesa e perene a chama de seus usos e costumes. A terra é elemento essencial a sua existência e a sua própria identidade. Insubstituível, pois.
Se porventura o Supremo Tribunal Federal entender de acolher a tese do marco temporal, estará fortalecendo a versão nacional do projeto de etnocídio que a Coroa Portuguesa aqui implantou a partir de quando, lá pelos anos 1500, resolveu voltar os olhos para essas bandas do hemisfério e iniciar o seu violento programa colonização para exploração extrativista.
Para alcançar seus propósitos, massacrou indígenas, escravizou africanos e acabou, meio sem o querer, criando essa experiência única no mundo que é o Brasil. n
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