Logo O POVO+
42 anos de impunidade
Foto de Hélio Leitão
clique para exibir bio do colunista

Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

42 anos de impunidade

Tipo Opinião

A 28 de agosto do ano de 1979 era sancionada pelo presidente João Figueiredo, último dos ditadores do período autoritário que se inicia no Brasil com o golpe de estado civil-militar desfechado em março de 1964 contra o governo constitucional de João Goulart, a lei 6.683, a chamada lei de anistia.

Embora as tensões democráticas por que passa atualmente o país tenham relegado a plano inferior as discussões sobre o tema - tanto assim que a data passou quase inteiramente ao largo do debate público e não ocupou as pautas da grande imprensa, força é reconhecer a importância de que se inscreva na agenda nacional a reflexão sobre a importância da responsabilização daqueles que, a serviço do estado ditatorial, praticaram assassínios, desaparecimentos forçados, torturas e outros crimes.

A interpretação dada pelos tribunais brasileiros ao parágrafo primeiro do artigo 1º da lei 6.683/79, segundo a qual estariam alcançados pelo perdão político os agentes do estado que cometeram crimes e violências, numa interpretação caricata do instituto jurídico-processual da conexão, conferindo à lei caráter de autoanistia, equivale a outorgar a esses elementos facinorosos do regime de exceção decaído um autêntico bill de impunidade.

Conhecendo da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e que visava a que fosse revisto esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal, aquele mesmo que tem a prerrogativa de errar por último, quis fazer crer ter sido a lei 6.683/79 produto de uma pactuação entre o regime ditatorial, então caminhando para o ocaso, congresso e sociedade civil, rumo à pacificação política, por via da qual todos, agentes do estado inclusive, seriam anistiados. A ADPF foi julgada improcedente.

Ledo e Ivo engano, como brincava o poeta das Alagoas. A lei 6.683/79 foi gestada em ambiente autoritário, negociada por um regime que, se já apresentava sinais de fadiga, detinha ainda força suficiente para impor, como impôs, os termos de sua anistia.

Eram tempos em que a vida política estava aprisionada na camisa de força do bipartidarismo, a imprensa e a sociedade civil garroteadas. Numa palavra, uma anistia consentida a um congresso emasculado

Após o julgamento do STF, o estado brasileiro já sofreu duas condenações internacionais no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos - casos Julia Gomes Lund versus Brasil e Vladimir Herzog versus Brasil, pela não responsabilização dos agentes da ditadura que perpetraram violações de direitos humanos.

Ainda é tempo de fazê-lo. A ADPF nº 153 não foi julgada em definitivo, pendente recurso. Há uma outra ADPF em que se busca a responsabilização pelos crimes da ditadura, a de número 320, proposta pelo PSOL-Partido Socialismo e Liberdade, ainda não julgada.

Em seu romance "O livro do riso e do esquecimento", Milan Kundera escreve que "... a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento". A impunidade e o manto de segredo que cobrem os crimes da ditadura não podem servir de estímulo a que a história se repita. Agora mais do que nunca. n

 

Foto do Hélio Leitão

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?