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O legado de Abdias
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

O legado de Abdias

Tipo Opinião

Como representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil integro a comissão organizadora do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, certamente uma das mais importantes homenagens prestadas pela sociedade civil aos que se devotam à causa da democracia, dos direitos humanos, da justiça social.

Nesta 43ª edição, entre outras merecidas distinções outorgadas a personalidades do mundo da imprensa, da política e da cultura, prestou-se tributo à memória do ator, poeta, artista plástico, professor universitário, deputado federal e senador da república Abdias do Nascimento.

Neto de mulheres escravizadas e uma das principais referências da luta pelos direitos humanos e do ativismo negro no país, Abdias notabilizou-se, nas suas mais variadas frentes de atuação, pela luta antirracista e valorização da cultura de matriz afro-brasileira.

A exemplo de muitos jovens intelectuais de sua época, como San Tiago Dantas, Roland Corbisier e os cearenses Helder Câmara e Gerardo Melo Mourão, ao depois tornadas personalidades influentes da vida política nacional, militou, ainda que por curto período, nas fileiras da AIB - Ação Integralista Brasileira, versão brasileira do fascismo, atraído então pelo ideário anti-imperialista e nacionalista dos "camisas verdes". Com eles rompe em 1937, ao dar-se conta do racismo imperante no ambiente integralista.

Um dos membros fundadores da Santa Hermandad Orquídea, pequena agremiação em torno da qual se reuniam jovens poetas brasileiros e argentinos, fundada nos finais dos anos 1930, empreende com o grupo viagem pela Amazônia. Chegados ao Peru, dá-se o inusitado.

Quando assistiam, no Teatro Municipal de Lima, à peça "O imperador Jones", do teatrólogo estadunidense Eugene O'Neill, são surpreendidos com o ator branco Hugo D'Evieri desempenhando o papel principal.

Pintado de negro. Confrontado com aquela expressão máxima do racismo, volta ao Brasil determinado a fundar no país um teatro que valorizasse a cultura negra e denunciasse as práticas racistas, de resto impregnadas na cultura e na alma brasileiras, legado maldito de quase três séculos de regime escravocrata, herança infeliz da maior e mais longeva experiência de escravização de que se tem notícia na história.

Idealiza e dá vida ao Teatro Experimental do Negro (TEN) e ao Museu de Arte Negra (MAN), participando de articulações nacionais e internacionais pela afirmação da cultura negra. Em 1968, acossado pela ditadura, parte para o exílio no exterior, ficando a maior parte dos 13 anos de seu exílio nos Estados Unidos.

Em seu retorno, abraça a luta político-partidária e como deputado federal e senador, sempre pelo PDT-Partido Democrático Trabalhista, de que foi um dos fundadores, da tribuna parlamentar trava guerra em campo aberto a toda forma de discriminação racial.

Falece aos 97 anos, no Rio de Janeiro. Suas cinzas foram depositadas na Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, palco do célebre quilombo de Zumbi. Nada mais simbólico da vida e luta do velho militante. Prêmio merecido.

 

Foto do Hélio Leitão

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