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Dom Hélder Câmara e o mentiroso
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Dom Hélder Câmara e o mentiroso

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Dom Helder Câmara (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Dom Helder Câmara

Manhã de sábado. Recebo o telefonema do professor Albert Brasil Gradvohl, amigo estimado, homem culto, um dos melhores papos que conheço. Generoso como ele só, ligou para parabenizar pelo meu último artigo publicado nestas páginas, em que reverenciei a memória de padre Geraldinho, há pouco falecido, sua atuação ao longo do bispado de Dom Fragoso, e o experimento de uma Igreja Popular em pleno sertões de Crateús.

Em meio à boa conversa, que corria solta, Gradvohl me fala que conheceu Dom Hélder Câmara - referência obrigatória quando o tema é a igreja renovada que saiu do Concílio Vaticano II - meio que por acaso, ali pelos meados dos anos 1980, no aeroporto de Guarulhos, São Paulo, quando aguardava voo para Fortaleza.

Para me fazer inveja - percebi claramente ser esse o seu propósito, contou-me ter então conversado por horas com o Arcebispo de Olinda e Recife. Um privilégio que nunca tive. Nem terei, por mais que continue crendo na eternidade.

Para não ficar assim tão por baixo, falei um pouco do que sabia sobre Dom Hélder por minhas leituras, sua iniciação política ainda na juventude junto aos fascistas da Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado e seus camisas verdes; seu compromisso posterior com uma ação pastoral voltada aos mais pobres e desvalidos, com os cânones da chamada Teologia da Libertação, de que viria a se tornar um dos principais arautos.

Gradvohl já sabia de tudo, meus esforços para impressioná-lo estavam dando em coisa nenhuma. Era chegada a hora de lançar mão de um episódio menor, conhecido de poucos, meu último recurso.
Vamos a ele.

Houve um tempo em que, em Olinda, ao final das missas que dizia, Dom Helder era frequentemente abordado por um sujeito um tanto sujo, maltrapilho, que lhe pedia dinheiro. Dizia passar necessidades, vivendo da caridade alheia. Aquela cena se repetia, sempre a mesma velha cantilena. Dom Helder acabava garfado em alguns cobres.

Incomodado, um dos seus mais próximos auxiliares o advertiu de que ele estaria sendo vítima de um golpe terrível - o tal mendigo em verdade estaria traindo sua boa-fé, era um beberrão contumaz e rematado vigarista - empregava ele todo o dinheiro que recebia para tomar uns bons tragos em um bar próximo à igreja. Testemunhas disso não faltavam.

Dom Hélder, com o sorriso largo que nunca lhe saía do rosto, pensou um pouco e sapecou uma verdadeira lição de humanidade: "Filho, esse rapaz é um homem pobre, miserável mesmo, a quem tudo a vida tirou. Agora vem você querer lhe tirar o direito de me enganar? Não cometa esse crime! ". 

Assim era Dom Hélder. E dessa história nem o Gradvohl, que tudo sabe, sabia.

Foto do Hélio Leitão

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