Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
O que será do Brasil depois de Karol Conká? Me fiz essa pergunta ontem, agoniado entre uma aula remota da filha e o almoço, quando a saída da participante do BBB 21 eram favas contadas e, nas redes sociais, usuários tentavam adivinhar o percentual de rejeição da cantora, se 98% ou 99%.
Os mais otimistas chutavam 100%, o que equivale a pensar que mesmo a família da curitibana é favorável à sua eliminação do produto televisivo. Do ponto de vista dos negócios, não é nada implausível. Afinal, cada dia de KC lá dentro é um dígito a menos na sua conta bancária, segundo cálculos que encomendei ao ministro Paulo Guedes - por isso é bom desconfiar.
A esta altura, no entanto, se tudo tiver corrido como previsto (no Brasil de hoje nem tudo acontece como deveria acontecer com uma frequência assustadora), Conká deixou o programa e o país pode enfim respirar novamente, certo?
Tenho minhas dúvidas. Não sobre o chega pra lá na Conká, que de fato deve juntar os "panos de bunda", como dizia minha vó, e procurar outro rumo. Tenho dúvida mesmo é de que o assunto morrerá com a votação da exclusão da jogadora, como seria de se esperar.
Explico. O Brasil ama odiar. Somos movidos por esse sentimento mais do que qualquer outro. À falta de novelas, amar odiar a Karol foi o esporte nacional favorito da nação nas últimas quatro semanas, quando as ações reprováveis vistas na TV produziram raro consenso.
Da esquerda à direita, de Neymar ao apresentador de TV, de Ana Maria Braga a Daniela Mercury, todos se irmanaram de alguma maneira com a intenção de enxovalhar a "mamacita". Uma verdadeira frente ampla a favor do ódio. Houve um altíssimo investimento da audiência nesse afeto negativo que não deve se esgotar tão rapidamente. Isso é um palpite, não um desejo.
Por um mês, Conká mobilizou os sentimentos mais baixos de quem assistia ao programa e mesmo de quem apenas acompanhava os flashes ocasionais, num ou noutro vídeo. De repente, arrancá-la da casa tornou-se questão de vida ou morte, uma urgência nacional que se impôs à vacinação e ao auxílio emergencial.
Esqueçam imunizantes e as escaramuças do centrão, a intervenção na Petrobras e o caos no Acre: apenas tirem Karol daquele lugar, pelo amor de Deus!
Mas o brasileiro não tem maturidade para cultivar nada, muito menos o ódio, que, vira e mexe, descamba para a violência, assume escala imprevista e coloca a vida em risco.
Entre nós, essa métrica da civilidade é defeituosa, e o ódio saudável, esse que baliza as relações e cimenta a sociedade, uma irrealidade. Se odiamos, queremos naturalmente açoitar, desempregar e ameaçar, estendendo à família uma maldição que consumirá ao menos três gerações. Uma questão de animosidade, como costuma resumir KC.
Karol fala ao mais fundo da alma brasileira. É o nosso desrecalque. Como se reunisse o melhor e o pior num só corpo, o promissor e o fracassado, o moderno e o arcaico. É um exemplo de sucesso comercial e postura autoral, uma imagem que se projeta com vigor, mas que se esboroa facilmente porque o êxito pressupõe quase sempre relações de poder nas quais se exerce um domínio opressivo.
O Brasil ama odiar Karol porque Karol é o Brasil. Mas, como diz Caetano, Narciso acha feio o que não é espelho. No BBB, quando não gostamos do que vemos, tentamos nos convencer: é apenas um jogo, nada mais que isso.
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