Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (MS), Mayra Pinheiro depõe hoje à CPI da Covid. A médica cearense tem muito o que falar aos senadores, e os parlamentares esperam ouvi-la sobre todo o resto que não esteja sob a proteção do habeas corpus que lhe foi concedido pelo STF, assegurando-lhe o direito de calar sobre o episódio de Manaus.
Fora isso, porém, há muito que ser explicado. Por exemplo, como a cloroquina se converteu no principal ativo do MS no combate à pandemia, substituindo políticas adotadas em outras nações e se impondo até mesmo à vacina.
Alcunhada de "capitã cloroquina" (a expressão talvez caísse melhor em Jair Bolsonaro, tanto pela patente quanto pela ênfase na defesa do medicamento), Mayra testemunha à comissão no pior momento para um governista no banco de depoentes. Primeiro porque Eduardo Pazuello, o ex-chefe, jogou a batata quente para o seu colo ao terceirizar responsabilidades, tais como a do aplicativo TrateCov, que prescrevia a substância até para bebês.
Segundo porque é possível que os senadores, irritados ante o espetáculo de negacionismo encenado pelo presidente e o ex-ministro da Saúde na "marcha da morte" no fim de semana, acabem por pressionar mais ainda a secretária, de modo a extrair dela o que não conseguiram do general, seja por inabilidade dos congressistas ou por esperteza do militar.
E, terceiro, porque Mayra chega à CPI em meio à possibilidade cada vez mais plausível de uma terceira onda da doença, cuja tragédia atingiu ontem a marca de 450 mil mortes, e sem perspectiva de uma aceleração no processo de imunização. Quantas dessas vidas poderiam ter sido poupadas se o Governo não houvesse negligenciado a vacina em favor de uma medicação comprovadamente ineficaz e de teses, como a da imunidade de rebanho, colhidas nos manuais de curandeirismo? É a essa pergunta que Mayra deve responder.
Bolsonaro e Pazuello
Irregularidades em série convergem para o evento de "motocontágio" capitaneado por Bolsonaro e sua falange sobre duas rodas no último domingo, 23, no Rio de Janeiro. Desrespeito a medidas sanitárias aplicadas no estado, descaso com as 450 mil vítimas de Covid, desperdício de dinheiro público, assédio ao exercício da imprensa e, de quebra, a presença de um general da ativa em ato político-eleitoral, episódio quem sabe inédito na história recente do Brasil, ao menos desde a redemocratização. Isoladamente, cada uma dessas circunstâncias seria grave por si mesma. Juntas, dão a exata dimensão do abismo representado pelo governo e seu mandatário.
As pedras no caminho da 3ª via
Pesquisa da consultoria Atlas divulgada ontem e contratada pelo jornal "Valor Econômico" é um retrato das dificuldades do que se entende como terceira via eleitoral na disputa pela Presidência. Nela, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceria ainda no primeiro turno no Ceará, alcançando 50,8% dos votos. Ciro Gomes (PDT) aparece com 23,2% e Jair Bolsonaro (sem partido), 22,1%.
Somada ao Datafolha recente, que também revela dianteira do petista, o largo caminho do meio, imaginado por um sem-número de postulantes a alternativa entre Lula e Bolsonaro, acaba se estreitando. Se há espaço ali, e as sondagens apontam que sim, nenhum dos nomes conseguiu até agora fisgar esse eleitorado arredio.
João Doria (PSDB) perdeu tração, Ciro fez uma correção de rota e de discurso ainda por ser captada e sem resultados práticos até agora, Sergio Moro e Luciano Huck são praticamente carta fora do baralho. Restam Henrique Mandetta, cujo partido, o DEM, vive um dilema. E Tasso Jereissati (PSDB), que vem performando bem nos levantamentos.
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