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O que colocar no lugar do São Pedro
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

O que colocar no lugar do São Pedro

Tipo Crônica

Ciente de que os serviços do edifício São Pedro chegaram ao fim e o prédio já não tem tanta serventia, convocamos os fortalezenses a pensar no futuro e a escolher, desde já, o que colocar no lugar do navio encalhado e prestes a ir a pique.

Como tudo é democrático na capital cearense, principalmente a ruína, queremos deixar que o morador da cidade decida. Para tanto, as autoridades locais lançam um concurso muito concorrido cuja finalidade é ocupar o espaço vazio da nau naufragada que o tempo e a negligência compartilhada dos setores público e privado, além dos próprios habitantes, ajudaram diligentemente a destroçar.

As opções no cardápio abundam, das mais tradicionais às mais modernas, entre as quais estão a farmácia, o bistrô ou um restaurante regional climatizado com estacionamento próprio e cercadinho VIP, envolvido em concertina elétrica e alarmes anti-pedinte, com reserva anual para o Réveillon da Praia de Iracema.

Há ainda o clássico açaí, ainda muito solicitado pelos citadinos, uma petshop ou um descolado ambiente para o crossfiteiro alencarino, um galpão cobrindo todo o terreno, num amplo espaço para estertorar os músculos do corpo todo, com acústica perfeita para que grunhidos de esforço possam se ouvir de norte a sul.

Convém não descartar também uma bela expansão daquela rede de sorveterias que são a cara da nossa gente. Ou mesmo um posto de combustível gourmet, com loja de conveniências onde se pode sentar e apreciar o subir acavalado do preço da gasolina nas bombas nos finais de tarde da city, enquanto se provam dos quitutes especialmente preparados pelo chef de cozinha Betão, famoso por suas iguarias cujo preço alimentaria uma família por um mês inteiro no interior pobre do estado.

O São Pedro pode dar lugar, finalmente, a outra mania do nativo: o terraço. No melhor estilo europeu, com brunch diário e regabofe aos domingos, diversificando a clientela com sambinha ou música pop ao vivo, mas sem perder a cara "exclusif", conjugando refino com o popular.

Podem participar do certame, cujas inscrições se abrem antes mesmo de o prédio tombar, cearenses ou não cearenses, falantes ou não falantes do português, crianças ou adultos, empregados e desempregados. Basta enviar mensagem com a seguinte frase no campo do assunto: "O que colocar no lugar do São Pedro".

As premiações aos vencedores da melhor ideia de projeto (ou da falta dele) vão desde passagem em assento-leito para Tejuçuoca, ingresso para parque aquático no semiárido ou bilhetes para o cinema do shopping mais perto de casa.

Todo o concurso é financiado por construtora que, de antemão, adverte, em nota prévia e amplamente divulgada, que não tem qualquer interesse na demolição do São Pedro e até financia uma exposição que tenta resgatar a memória arquitetônica de Fortaleza.

O resultado será divulgado em data próxima, tão logo o edifício venha abaixo ou seja arrastado pela ressaca do mar, quando se espera que possa fazer companhia ao Mara Hope, outro ícone de nossa orla que vem resistindo já há bastante tempo, mas que foi precavido e preferiu passar a aposentadoria dentro d'água, onde se sente mais seguro do que no calçadão da Beira Mar.

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