Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
A ladainha entre Ciro Gomes, Lula e Dilma impôs-se num noticiário político antes monopolizado pela CPI da Covid, dividindo atenções com o relatório da comissão. Dela, porém, pouca coisa é útil para o debate público nacional.
Noves fora rancores antigos e mal-estares insolúveis, o sumo do entrevero pode se resumir à tentativa do pré-candidato do PDT de se viabilizar eleitoralmente, arrebatando desencantados tanto com Lula quanto com Jair Bolsonaro. Para tanto, explora as feridas que o PT e Lula deixaram abertas.
Interlocutor privilegiado do petista - foi seu ministro -, Ciro conhece bastidores que, aos poucos, sob a batuta de João Santana, vai explorando na propaganda - parte deles, reconheça-se, não é sequer novidade. A intenção, já fartamente demonstrada, é desgastar o que chama de "burocracia lulopetista", naquela prosódia que todos conhecemos.
Do outro lado do ringue, Lula, que vinha se esquivando das investidas de Ciro, deu mostra de que talvez tenha mordido a isca. Não fosse isso, não teria respondido como respondeu, até grosseiramente, atribuindo o destempero do ex-amigo a possíveis sequelas da Covid. Num país com 600 mil mortos na pandemia, não se brinca com isso. Foi golpe baixo, mas não se pode dizer que, antes dele, Ciro já não o tenha dado também.
Tudo isso, claro, tem relação com 2022, apenas. Por que Dilma Rousseff entra no meio do tiroteio? Porque, no afã de fazer crer que Lula se mancomuna com golpistas, citando nominalmente o ex-senador Eunício Oliveira (MDB), Ciro usa a figura da ex-presidente, que, no entanto, recusou o papel de vítima e saiu-se com uma resposta atravessada, pisando num calo do pedetista: o acanhado desempenho em eleições presidenciais.
Ora, o próprio PDT cirista esteve ao lado de Eunício em 2018, e Eunício do de José Sarto no segundo turno em 2020. Onde o erro?
Ciro, então, devolveu a réplica de Dilma chamando-a de "incompetente, inapetente e presunçosa" - a bem do rigor etimológico, inapetente significa sem apetite, o que leva a supor que o ex-ministro tenha pensado em dizer inapta ou coisa que o valha.
Resumo da ópera: entre disparos de parte a parte, o que se viu nos últimos dias foi talvez uma prévia do embate de 2022. É mau presságio.
Política como cenário. Políticos como personagens. Jornalismo como palco. Na minha coluna tudo isso está em movimento. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.