Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é mediadora de leituras, jornalista e professora. Realiza ações no âmbito da leitura, desde 2016, em Fortaleza e na Região Metropolitana. É especialista em Literatura e Semiótica pela Uece. Autora dos livros Pitaya e das obras experimentais Vitamina D, Querida Anne e Retalhos. Aos domingos, quinzenalmente, é possível ler as crônicas da Bel no Vida&Arte, caderno do O POVO
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Coelhos precisam de cuidados, e adoção requer responsabilidade (Imagem: Rita_ Kochmarjova | Shutterstock)
Meu pai e meu tio ficaram 30 anos sem trocar palavra. Mentira, soltavam insultos pontuais quando se encontravam na rua. Passei a infância inteira escutando que o Zé Coêlho, meu tio, era uma "pessoa complicada". No auge dos oito anos, eu não sabia o que significava ser uma pessoa complicada. Era um problema de matemática?
A figura sempre esteve presente no imaginário pueril. Alguém que não pertencia aos almoços de domingo, que não frequentava minhas festinhas da escola - mas, ao mesmo tempo, permanecia à espreita. Talvez um tipo de fantasma…
O motivo da briga? Herança. Há um ditado antigo: você só conhece os seus irmãos na hora de partilhar os bens. A briga envolvia duas casas velhas e um terreno de muitos hectares. É terra para se perder de vista: plantação com cajueiros, mangueiras e outras árvores. De tão grande, a propriedade tem nome: Guerreiro. Por causa da desavença, eu nunca chupei uma manga ou comi um caju oriundos do Guerreiro. Azar o meu.
À época, o Francisco Coêlho, papai, estava irredutível: queria um teto para a esposa e a filha. Errado ele não tava, mas também não tava certo. E a confusão foi se alongando, batendo a marca de um ano de insultos e idas ao fórum. Os dois Coêlhos, Chico e Zé, brigando… Caim e Abel.
Ao fim, os amigos fizeram uma intervenção para desatar o imbróglio. E foi assim que passei a infância sem tio. Depois de elucidado dinheiro, havia sido destruída a família. Mas toda narrativa tem o seu Deus ex machina e a minha família recebeu a reviravolta em formato de coronavírus.
Ficamos doentes: papai, mamãe e eu. Na casa com dois idosos, eu pouco descansava. Sem ar, sem vacina - mas cuidando de ambos. Não achei que fosse morrer, mas meu pai tinha certeza do fim. E veio a promessa: se vivo ficasse, procuraria o irmão. Faria as pazes e esqueceria o ódio.
Claro que ele ficou vivo. Semanas antes do Dia dos Pais de 2020, começou a enviar recados pelos mesmos amigos que, três décadas antes, haviam apaziguado os ânimos. "Diga ao Zé que eu vou lá". No segundo domingo de agosto, bateu palmas diante do portão do irmão. Meu pai poderia ter sido enxotado, levado uma pedrada. Mas, não. Zé Coêlho o recebeu com abraço e choro. Eles já não lembravam mais o motivo de tanto ódio. Começou a lua de mel. Presentes, almoços, comemorações. Tudo era feito em conjunto - como acontece com as grandes famílias. E podia pedir a bença ao meu tio. "Bença, Zé Coêlho" - "Deus te faça feliz".
Vocês pensam que o final feliz? Enganados. Essa história não ésobre perdão. De 2020 para cá, os Coêlhos brigaram dezenas de vezes. É um padrão. Inventam uma discórdia, param de se falar. Mas voltam ao convívio. A última briga foi mais longa. Desde 2024, não trocavam palavra. Fiquei preocupada: "Papai, pelo amor de Deus, se o tio morrer, você vai ter um remorso". A resposta: "Não falo com ele. Agora é silêncio até a morte". Na manhã da quarta-feira, entretanto, recebi um recado: "Os Coêlhos voltaram às boas, tão se falando". Eu tive uma maravilhosa crise de risos!
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