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Cora e o cintilar na solidão
Foto de Izabel Gurgel
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

Cora e o cintilar na solidão

"Este nome não inventei, existe mesmo, é de uma mulher que vive em Goiás: Cora Coralina". Começa assim o texto do Drummond, "Cora Coralina, de Goiás", publicado em 27 de dezembro de 1981 no Jornal do Brasil. A bem dizer, o poeta vai pautar a imprensa, convocar a crítica literária. Abre alas. Cora nas telas de TV. Vamos, muitos dos brasis, descobrir a poeta. Cora tem, então, 91 anos.

Releio. Vem logo em seguida ao prefácio da Lena Castello Branco Ferreira Costa na edição de 1983 do "Vintém de cobre - meias confissões de Aninha", publicado pela Universidade Federal de Goiás. Livro cujo leitor primeiro assinou nome, traço bonito mas não compreendo de fato como se chamava, e uma data, 23 de abril de 1984. Lena começa dizendo que leu pela primeira vez os originais em uma tarde de chuva. A criatura leitora adora rastros.

O poeta de Minas (1902 - 1987) e a poeta de Goiás (1889 - 1985) já se correspondiam. Volto à "Cora Coralina - Raízes de Aninha", biografia feita por Clóvis Carvalho Britto e Rita Elisa Seda, editora Ideias & Letras, de 2009. Tenho a sexta reimpressão, de 2015. Ele havia lido o "Poemas dos becos de Goiás e estórias mais". Em julho de 1979, escreve uma carta para a editora: "Não tenho o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele a deposite em suas mãos". É quando ele diz "seu verso é agua corrente". Ela responde também por carta, setembro do mesmo ano: "Sua palavra (...) veio como uma vertente de água cristalina e azul para a sede de quem fez longa e dura caminhada ao longo da vida".

Um trancelim a luzir, ele a dizer dela no texto de 1981: "(...) diamante goiano cintilando na solidão". Ela agradece por carta, janeiro do ano seguinte: "(...) Meu irmão, você me descobriu para Goiás e para o Brasil. (...) você descobriu ouro onde só viam cascalheiras e velhices. (...) Foi bonito demais, altissimamente demais o que escreveu e eu me achei rainha coroada".

O nome dela, que anuncia coragem, é parte da invenção de si, ofício de toda uma vida. Dela, nosso. Nesses tempos de matança se alastrando como política - com a violência de dispor sobre a vida do outro, interferindo no ciclo vida-morte-vida - trajetórias Cora de vida Coralina (aniversariante de 20 de agosto) talvez acendam em nós, como ela o fez dia após dia e não só ao tempo da vida de doceira, tacho de cobre igualmente a luzir, talvez acendam na gente isso da coragem necessária para se inventar uma vida que nos dê vontade de viver. Claro que a força da vida dá medo. Mas sem fogo, não se realiza aquele doce de limão que aprendemos como sendo do Piauí. Mãos fazedeiras cavam, cavam como na arqueologia. E as cascas parecem dançar na calda.  

Foto do Izabel Gurgel

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