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A flor da lua e a ênfase
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

A flor da lua e a ênfase

Tipo Crônica

Estou lendo Margaret Mee. E sobre Margaret Mee. Os livros nos dão isso: a possibilidade do encontro. Encontros que talvez não se realizassem, ao acaso das horas erradas e às vezes no tempo certo, não fossem eles, os livros, como gente com gosto por nos apresentar à uma e outra pessoa, mostrar um lugar, usar sua caixinha de ênfase-convite a olhar com apetite abertura acento na abundância. A inglesa Margaret veio visitar uma irmã e acabou morando aqui a vida todinha. Leio o nome dela como a gente diz no Ceará: "Margarete, mulher..." e segue a conversa.

Carlos Drummond de Andrade diz algo como "que triste são as coisas consideradas sem ênfase". Viajante-pesquisadora no sentido mais farto do termo, olho lâmina de dupla face, viço rigor na migração entre as zonas de transição arte e ciência, ela fez 15 expedições à Amazônia. Ler suas notas de viagem, ver os esboços feitos no meio da floresta, apreciar os desenhos, isso tem sido um feitiço que dá gosto em ter sido tomada por ele.

Margaret Ursula Brown e Greville Mee, seu marido, chegam ao Brasil em 1952. Da primeira expedição ao Rio Gurupi, em 1956, "sem estrutura", à derradeira, em 1988, viu com o corpo todo, sentindo, que é, cito Hilda Hilst, como a gente aprende, ela viu "a natureza exuberante, às vezes ameaçadora, e a precariedade das condições de vida" das criaturas humanas no mundo floresta amazônica. Citei Aspásia Camargo, livro "Margaret Mee: 1909-1988", organizado por Sylvia de Botton Brautigam. Leio na biblioteca Acervos Especiais da Unifor, que reabre agora, primeira semana do ano. Título do texto: "A última viajante".

Escute comigo a Margaret: "(...) A floresta estava cheia de plantas interessantes e logo encontrei uma orquídea rara e uma moita de bromélias e avistei as flores cor de vinho de uma Clúsia. (...) baixei os galhos da árvore, e caiu sobre mim uma chuva de gotas de orvalho que reluziam como jóias no sol da manhã. Desenhar esta linda Clúsia, sentada no barco que balançava com as ondas do rio, não foi uma tarefa fácil. A Clúsia é conhecida na região como 'Rosa da Mata' e 'Apuí' na língua indígena. A flor se parece com uma porcelana de Dresden (...)".

Ela desejou por anos encontrar a Flor da Lua, de vida mui mui efêmera. No seu aniversário de 79 anos, estava na região do Rio Negro. Ela nos conta: "Esperávamos há duas horas e os botões não se modificavam. A floresta alagada estava silenciosa, exceto pelo coro dos sapos ou algum outro chamado, um grunhido ou assobio de animal noturno - todos os animais da mata sabem nadar ou subir em árvores. Enquanto eu me postava ali, com a orla escura da floresta ao meu redor, sentia-me enfeitiçada. Então a primeira pétala começou a se mexer, depois outra e mais outra, e a flor explodiu para a vida". Desenhou a noite inteira, amanheceu, acompanhou a flor desaparecer para sempre. Era maio. Morreu em novembro na Inglaterra.

Foto do Izabel Gurgel

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