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Algodão e ferro
Foto de Izabel Gurgel
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Jornalista, leitora, professora. Criou e faz curadoria das séries A Cozinha do Tempo e Cidade Portátil, dentre outras atividades.

Algodão e ferro

Nos porões de um navio que cruzava o Atlântico com matérias-primas como a carnaúba e o algodão, viajou em sentido contrário o ferro para erguer o Theatro José de Alencar. O teatro que, por sua vez, esperava-se, anunciaria, atestaria o forjar de uma outra experiência de cidade.

Assim como as rendas, a de bilro e a renda bordada ou o bordado rendado com agulha, o chamado labirinto, também criadoras de paisagem do|no Ceará, assim como as rendas, a estrutura metálica do TJA chegou por via marítima. Ambas abertas, vazadas. Pontos, padrões: e a maestria na repetição faz surgir desenhos outros. Trama feita pelas alternâncias entre vazios e cheios.

Um desenho que nos ensina a olhar, talvez, através do que não se pode ver: a transparência do ar. A arquitetura metálica do TJA é, muitas vezes, invocada como uma jóia. Ouro e prata não floresceram no Ceará. Talvez até se possa dizer que do fruto da terra do qual se fez brotar a renda seja o mesmo que fez surgir o TJA. O algodão é, aprendemos, uma espécie de nosso ouro branco.

Se dizemos que Manaus e o Teatro Amazonas surgem da exploração do trabalho nos seringais, talvez se possa dizer tem linhas e linhas de algodão a tessitura urbana de Fortaleza no vir-a-ser uma cidade relevante no Ceará. É forçar demais na simplificação? É sempre mais complexo, sabemos.

O Brasil fazendo a (quase sempre violenta, como experiência de vida pública entre nós) passagem do rural para o urbano. E o Zé de Alencar assim uma flor do algodão tecida em um dos, então de recente uso, novos materiais de edificação, o ferro. E o que dizemos das rendas, talvez se possa dizer do teatro: feito no Ceará, a bem dizer nascido aqui.

A estrutura metálica da sala de espetáculo, o espaço da cena e da plateia, é a fachada mais reproduzida do Zé de Alencar. É à inscrição dela na memória que recorremos quando se fala no teatro. É ela que procuramos, por exemplo, ao chegar à Praça José de Alencar indo ao teatro pela primeira vez. Passa pela exuberância do desenho em ferro da composição arquitetônica o título de bem tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional atribuído em 1964 pelo atual Iphan.

A parte da estrutura metálica mais reproduzida do TJA é a que se pode ver depois de cruzar a primeira fachada, chegando ao pátio que separa as duas. Uma visão frontal. A estrutura se prolonga internamente, como podemos ver pelo lado de dentro da sala e também vislumbrar ainda no pátio a céu aberto. É o que dá ao TJA, sobretudo quando visto do palco em direção à plateia, uma "fisicalidade aérea". Assim visto, o teatro parece suspenso.

E as palavras dão um cangapé nos (nossos) sentidos acostumados. Uma coisa é a suspensão do concreto e denso e pesado e levíssimo TJA, bonita de arrebatar, como atletas realizando de modo feliz o sonho de Ícaro em Tóquio. Outra é a suspensão (a nos tirar chão e horizonte) pela devastação em curso no Brasil. Agosto é mês dos ventos. Que renda!

Foto do Izabel Gurgel

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