Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor
A política brasileira pode inspirar muitas emoções, nunca o tédio. Quem acompanha a Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia tem uma boa prova disso.
São movimentos frenéticos capturados por uma infinidade de câmeras e microfones com transmissão ao vivo.
Muita baixaria, bala trocada, traições para todos os gostos e deslealdades inacreditáveis, fervor religioso, reviravoltas jurídicas e um intenso clima de caos.
Parlamentares que até um dia desses eram desconhecidos pelo brasileiro distraído têm hoje seu nome na boca do povo e, à direita e à esquerda, seus lances são testemunhados com emoção.
Como vai acabar? Não sabemos, assim como não sabemos quão emocionante será o capítulo seguinte.
"CPI não é novela", afirmou um dos integrantes do colegiado ao ser confrontado sobre uma possível perda de vigor da investigação.
Tendo a concordar, não é novela porque é mais do que isso: o enredo da comissão está mais próximo de um romance do Rubem Fonseca.
Quem já leu "Agosto", "Vastas emoções e pensamentos imperfeitos", "A grande arte" ou "Bufo Spallanzani" sabe do que estou falando.
Fonseca foi um mestre da trama policial e nos legou um repertório de personagens sofisticados, bem distribuídos em tramas escritas com linguagem tão seca quanto precisa, como quem redige com a lâmina de uma faca.
No fim das contas, o cenário, a cronologia dos acontecimentos ou mesmo as surpresas narrativas são coadjuvantes em sua literatura: é na psicologia dos seus personagens que sua obra atinge um ponto alto.
Pois é nesse ponto que a CPI me faz lembrar do Rubem Fonseca: pela peculiaridade de seus protagonistas e personagens secundários, e pela forma como estabelecem conexões improváveis entre si.
Afinal de contas, o que dizer da figura de Dominguetti, o PM bolsonarista que faz bico como vendedor de vacinas e aparece como cavalo de troia para, aparentemente, minar a credibilidade dos irmãos Miranda, os denunciantes explosivos?
Os irmãos são um caso à parte. Assisti atentamente às nove horas de seu depoimento, que, no último dia 25, nos deixou vidrados diante da TV.
Luís Ricardo é o burocrata de carreira, franzino, a voz vacilante, incapaz de desfiar de forma lógica uma cronologia compreensível de fatos.
Luís Miranda, o primogênito digno de ostentar o sobrenome, cabelo passado no gel e terno alinhado, um jeitão eloquente de raposa bem treinada na arte do baixo clero político.
Juntos, aparecem como a própria imagem do rancor ressentido, que vai a público anunciar a dor pelo abandono do ídolo amado.
O depoimento foi uma apoteose: difícil de acreditar quando o deputado ex-aliado soltou o nome do líder do Governo como o articulador de um esquema de corrupção.
O fim há de ser trágico: corremos o risco de afundar no non sense junto com o caso de polícia que se tornou o Brasil.
O que teria a dizer o brasileiro diante dessa baixaria, se o roteiro fosse escrito pelo mestre Fonseca? De certa forma, já sabemos, porque o seu Mandrake nos disse: "fico na frente da televisão para aumentar o meu ódio.
Quando minha cólera está diminuindo e eu perco a vontade de cobrar o que me devem, eu sento na frente da televisão e, em pouco tempo, meu ódio volta". n
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