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A volta do tempo da esperança
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

A volta do tempo da esperança

Tipo Opinião

"Político é tudo igual". É com essa desculpa que alguns eleitores de Jair Bolsonaro se eximem de sua responsabilidade e tentam justificar a sua colaboração para chegada do dito cujo ao poder em 2018.

Analistas dizem que o melhor caminho para angariar esses votos arrependidos e construir uma alternativa para 2022 é não cobrar a dívida moral de quem colaborou. Afinal de contas, apontar dedos é uma atitude antipática e pouco estratégica.

Sejamos inteligentes, e não ressentidos! Talvez seja possível conquistar esses valiosos eleitores oferecendo o argumento de que compensa apostar na felicidade.

Precisamos dizer para eles: a prova de que político não é tudo igual é que sua vida está mais infeliz, mais cara e mais difícil, mesmo você tendo votado no seu presidente dos sonhos.

A inflação aumentou, o desemprego aumentou, o imposto de renda da classe média vai aumentar, assim como o preço dos medicamentos de uso contínuo.

A gasolina está nas alturas, e também o câmbio. Os índices de violência não diminuíram e, com o voto dos parlamentares da base do presidente, o fundo eleitoral público vai receber ainda mais recursos no ano que vem.

O Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, teve o número mais baixo de inscritos dos últimos trezes anos, porque, não satisfeito em assediar e perseguir os professores, asfixiar o orçamento das universidades e reduzir à míngua o investimento em pesquisa, o governo também se empenha em desestimular o sonho de uma geração de iniciar o ensino superior.

A vida está ruim mesmo, a esperança pouca, uma multidão faminta nas ruas, a mãe e o pai de família com o peito angustiado.

É aí que dizemos para esse bolsonarista arrependido (e também para nós mesmos, como forma de continuarmos motivados): já pensou quando o Brasil existia à revelia dos Bolsonaros?

Era um país mais calmo, menos alarmado por tolices ditas num cercadinho, um país em que brigávamos por assuntos como recuperação econômica e inflação, reforma tributária e administrativa, orçamento da ciência e proteção ambiental.

Um país em que era possível assistir a dois opositores discordarem sem ameaças de morte, ler uma matéria no jornal sem risco de fechamento do STF ou de chantagem de general. Era um país que sofria, mas ria e pulava carnaval.

Pois, caro bolsonarista, eu digo que essa vida mais leve está logo ali, ao alcance de um voto. Não digo que serão apenas flores.

O Brasil viverá uma imensa ressaca, porque o espólio de desmantelo a ser resolvido não será dos mais simples. Muita gente o olhará torto por um tempo.

Apesar disso, o país reencontrará os finais de semana alheios ao noticiário político e desaprenderá o nome dos comandantes das Forças Armadas. Para sua sorte, meu caro arrependido, somos um país que bebe muito e lembra pouco.

Confesso que sonho acordada com essa nova fase que já dou por certa, porque é triste demais perder ainda jovem a esperança. Já tenho planos para vida sem preocupação com Bolsonaro.

Farei um detox de notícias, passearei, quiçá escreverei um romance. Por ora, me apego à certeza de que no ano passado quase morri, mas do ano que vem em diante, se urna eletrônica quiser, eu não morro. n

 

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