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A vacina que chega à Universidade
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

A vacina que chega à Universidade

Tipo Opinião

Desde que a pandemia teve início, tenho dado aula para meus alunos na Faculdade de Direito da UFC de forma remota. Nós nos encontramos online, e eu tento seguir com o conteúdo esperado para a disciplina. Nos primeiros meses, foi extremamente difícil.

Mesmo fazendo parte de uma geração que cresceu diante de um computador, me vi um tanto desorientada quando perdi o espaço (e os ritos) de uma sala da aula, o cheiro e os humores que habitam os corredores da Universidade.

Muitos de meus colegas professores, nesse esforço imenso de dar continuidade ao trabalho de ensinar, compartilharam da sensação incômoda de perda da rotina, a melancolia sofrida por constatar que mesmo o que parece bastante sólido, como as universidades, podem ter suas portas fechadas por tempo indeterminado pelo acaso. Passamos a contar os segundos pela volta à normalidade de toda a vida universitária.

Durante as aulas remotas, a maioria dos alunos permanece com a câmera desligada, de modo que desconheço o rosto de boa parte dos alunos que tive desde o ano passado. Por mais difícil que seja falar sem ver a quem nos dirigimos, há boas razões para que algumas câmeras fiquem em off, então tento não me ressentir.

Conexão ruim, aulas sendo assistidas nos lugares mais inusitados - como um hospital. É tão difícil aqui como é difícil para quem está do outro lado, e a pandemia nos ensina a ser mais empáticos, afinal, com as mais ínfimas dificuldades que desconhecemos da vida do outro.

Mesmo que eu não os possa ver, sei que estão lá e que, de alguma forma, me ouvem, não desistem ante o cansaço, e que há algo muito forte nos vínculos que se estabelecem com a comunidade universitária apesar das paredes.

Já não posso contar as vezes em que, estando bastante cansada da pandemia ou sem esperança com o futuro, me vi terminando a aula sorrindo, muito feliz pela troca com a turma, pela sensação prazerosa de estar trabalhando em um ofício que tem um propósito muito luminoso, muito íntegro.

Escrevo este texto em um desses dias. É uma semana de alegria porque boa parte dos professores do Ceará concluíram seu ciclo vacinal, um marco importante rumo ao retorno às salas de aula. Foi ainda mais alegre porque os alunos - muitos deles com vinte, vinte e poucos anos - também começaram a se vacinar.

E é uma alegria tão infantil essa de receber uma picada no braço como quem recebe uma importante afirmação de vida. Uma pequena dose de líquido que pode devolver a rotina de sentir o cheiro tão característico da madeira dos cômodos da faculdade e que só foi possível por conta do trabalho dessa instituição de que tenho tanto orgulho de fazer parte.

Ela não é um jardim feito apenas de luzes. A Universidade pública está sob ataque, e muitos companheiros têm sofrido terrivelmente. Devo dizer aos Neros de ocasião que é uma guerra predestinada a ser perdida por aqueles que desejam a aniquilação desses espaços.

As universidades não se matam, sobrevivem mesmo quando vandalizadas as cores de suas paredes e acossados os seus professores. Por saber disso, celebro a graça de receber a minha dose de vida, pronta a me sentir, em meio ao caos do mundo, muito, muito feliz. n

 

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