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Quem ameaça a liberdade de expressão?
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Quem ameaça a liberdade de expressão?

Tipo Opinião

Durante a semana, tive a oportunidade de voltar a debater com o colega professor Rodrigo Marinho, agora sobre um tema caro aos nossos interesses em comum: a liberdade de expressão.

Na oportunidade do diálogo, o colega manifestou intensa preocupação com o que considera violações ao devido processo legal, especialmente nos casos envolvendo os inquéritos instaurados pelo Supremo Tribunal Federal para apurar milícias digitais, esquemas de propagação de fake news e articulações de ameaças democráticas.

A prisão de Roberto Jefferson e o assédio judicial a Sérgio Reis seriam, para o colega, exemplos de excessos ameaçadores à liberdade de manifestação política. O tema vale a continuidade do debate.

É inegável que, para qualquer democrata e sobretudo para aqueles que, como eu e meu debatedor, trabalham manifestando publicamente a opinião sobre os temas mais polêmicos e tormentosos, o direito constitucional à liberdade de expressão é fundamental.

Não temos discordância quanto a isso. O ponto a ser enfrentado é outro: o dos limites que devem existir aos direitos e da compreensão do papel da autoridade que deve controlá-los.

Esse debate se turvou desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder e passou a tensionar o campo das liberdades além do inimaginável, forçando algumas incompreensões que podem ser superadas quando analisamos o padrão repetitivo de seu comportamento.

O presidente e cia se beneficiam de uma ambiguidade muito clara: de um lado, invocam o campo de liberdades previstas na Constituição para difundir uma visão de mundo e de política que nega o próprio sistema político, levando o sistema a se autoproteger e reagir; de outro, mobilizam o sistema estrategicamente a seu favor para, de forma seletiva, aparelhar e perseguir aqueles que identificam como opositores políticos.

Essa dupla frente de atuação faz com que o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário como um todo sejam levados a reagir de forma aparentemente contraditória sobre o tema da liberdade de expressão: o mesmo STF que atua para conter o exercício tóxico da liberdade de expressão de Bolsonaro é aquele que resguarda a sociedade e os opositores do presidente das ameaças que surgem na forma de processos judiciais, procedimentos investigativos e afins.

Graças a essa aparente contradição, os verdadeiros ameaçadores podem explorar o falso argumento de que o Brasil vive em uma ditadura de togas, que o STF é seletivo e trabalha politicamente para fazer ruir o governo.

A tática não é difícil de perceber: forçar o limite da separação de poderes, levar as instituições de controle a reagirem para depois denunciar o controle como uma forma de ilegítima interferência. Tem método.

É preciso entender que o limite à liberdade de expressão incide não sobre o ato de dizer em si, em abstrato, mas sobre quem diz o que diz em determinada circunstância, ou seja, o contexto.

Nem todo discurso está protegido pela constituição, porque eu não posso me aproveitar de um direito para negar o próprio direito. É um obstáculo lógico.

Por isso, sempre vale reforçar que, em uma democracia, o que define a amplitude da nossa liberdade é justamente a existência de limites. n

 

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