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À espera do golpe
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

À espera do golpe

Tipo Opinião

O bolsonarista é, antes de tudo, um arrebatado. Dedica-se com afinco a vislumbrar um outro mundo onde seus desejos mais latentes sejam possíveis e, empenhado na busca ingrata de tornar o delírio realidade, luta contra toda sorte de assombrações e demônios, imaginários ou não.

Afinal de contas, o que seriam das lutas épicas sem os grandes obstáculos? Seres de muitas cabeças, desastres naturais ou a tragédia da fatalidade? Sem drama, não há revolução possível.

Esse o ponto em que quero chegar, querido leitor: o bolsonarista vive mergulhado na mística da revolução, e isso o torna mais próximo do seu principal inimigo do que ele pode imaginar. Não é a restauração do passado que o bolsonarista deseja, ele deseja um novo futuro, em que todos os seus ressentimentos possam ser curados por uma mágica inversão das relações de poder.

Um futuro em que os humilhados serão exaltados. Jacobinos atrapalhados, eis o que são nossos irmãos radicais de direita.

Mas quem inventou o imaginário sangrento das revoluções senão as esquerdas incontroláveis da França que gilhotinou seu rei? Já estava tudo ali: o enredo, a mística, os símbolos.

Grandes massas entoando cânticos em uníssono nas ruas, a sacralidade da nação, bandeiras flamejantes, a vontade de acender fogueiras e torrar os prédios públicos.

Que queime até o último tijolo caiado do Congresso Nacional! É o que dirá o mais apaixonado dos bolsonaristas, nosso triste revolucionário, porque tem o desejo, tem o delírio, mas pouca capacidade de ação.

Falta-lhe tudo para tornar possível seu sonho, e, precisamos confessar, o que pode ser mais melancólico do que a impotência, sobretudo a um bolsonarista? Falta-lhe vigor, saúde, sangue. Estilo. Um Robespierre digno do nome para chamar de seu.

Que é Jair Bolsonaro? Um homem fraco, de expressão apagada, os olhos fundos e arroxeados, o português mal arranjado que o torna incapaz de liderar, de convencer, de ameaçar. Pense na cena patética dos tanques militares que desfilaram há alguns dias pelas avenidas de Brasília. O que pode ser mais bolsonarista que aquilo?

Cito outro exemplo do incurável desvigor que assalta nossos golpistas: um videozinho singelo que circulou no Twitter durante a semana. Em uma sala mal iluminada por uma fraca luz fluorescente, uma dúzia de senhores vestidos de blusas estampadas com a bandeira nacional entoavam um grito de guerra contra o Supremo, contra os esquerdistas, contra tudo, contra todos, quiçá contra Deus.

Ao fim de alguns segundos, nos perguntamos: o que será, meu Deus, desse golpe sem fibra e sem nervos?

Por isso, ao leitor amedrontado com o 7 de setembro próximo, deixo um exercício de imaginação: que será capaz de fazer Jair Bolsonaro, esse ser que você já conhece bem, assim que tomar a República? Findo o feriado, quem irá arrombar as portas do Supremo, cerrar as algemas nas mãos de dois terços do Senado e enxotar mais de metade da Câmara de Deputados? O que farão os quarteis diante de uma população de esfomeados, a água que não chega ao fim do ano? Quem limpará as cinzas das fogueiras? Porque, no golpe, mais importante do que o espetáculo, é como será feita a limpeza da rua no dia seguinte. n

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