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Quem vigia os vigilantes?
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Quem vigia os vigilantes?

Tipo Opinião

Estamos fatigados de acompanhar a agenda do Legislativo, especialmente nestes tempos em que a pauta se define quase sempre de surpresa, com votações a toque de caixa. Apesar disso, há projetos que, por sua dimensão estratégica e estrutural, merecem o último gole do nosso fôlego. Me refiro à votação da "PEC da Vingança", a proposta de emenda constitucional que estabelece mudanças importantes na estruturação do Ministério Público (MP).

O MP é um dos pilares mais relevantes do desenho institucional previsto na constituição. Foi concebido como um corpo independente, altamente qualificado e protegido, dedicado a assegurar a fiscalização da lei. Assim resguarda o interesse público, sobretudo quanto à tutela dos bens mais difusos, como o meio ambiente ou o patrimônio histórico.

Um dos papéis mais arriscados que cumpre o Ministério Público é zelar pela observância da Constituição, o pode significar, em português claro, farejar e combater ilegalidades e crimes praticados pela classe política num país de práticas e costumes pouco republicanos.

A lógica é a seguinte: se o Estado existe para garantir o bem estar geral, se ele constitui a síntese do patrimônio público, nada mais natural do que a sociedade criar, inspirada pela técnica dos freios e contrapesos, olhos independentes para punir e controlar larápios de colarinho branco que venham a ser eleitos por voto popular.

Não há cidadão que possa negar a relevância dessa função institucional, e deveríamos nos sentir tranquilos por saber que o constituinte foi previdente ao nos proteger. Por décadas, o MP esteve salvaguardado de qualquer iniciativa legislativa que pudesse domesticá-lo.

Atuou de forma intensa, potencializado por instrumentos jurídicos como a ação civil pública e a ação de improbidade.

Atuou livre de quaisquer suspeitas até testemunharmos os espetáculos da operação Lava Jato, que emparedou o conjunto de forças políticas e propiciou as condições conjunturais para a ascensão de Jair Bolsonaro, um presidente que, sob qualquer ótica minimamente honesta, é um acidente lamentável.

Uma das melhores análises sobre a operação que representou a triangulação única do trabalho da polícia federal, ministério público e justiça federal, está no livro de Fabiana Alves Rodrigues, Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na justiça.

Na obra, a autora expõe em minúcia os excessos e abusos que culminaram na subversão do papel institucional do MP por alguns de seus membros. Ao ignorar o devido processo legal, procuradores escolheram meios em função de objetivos políticos a serem conquistados, manejando instrumentos jurídicos, engajando a opinião pública e diluindo as fronteiras necessárias entre a arena do processo judicial e a da política partidária.

O resultado desse caldo está aí, nas linhas e entrelinhas da PEC da Vingança. Hoje temos uma classe política indomável, que se sente autorizada a colocar amarras na independência de todos os vigilantes por conta do erro terrível de alguns deles.

Por isso, com os devidos cuidados e rigores, o debate de fundo da PEC vale: o que fazer para evitar o erro? Quem pode e como pode vigiar os vigilantes? n

 

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