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Juliana Diniz: Os 20% do governo no STF
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Juliana Diniz: Os 20% do governo no STF

Foi com disciplinada resignação que André Mendonça, o indicado por Jair Bolsonaro para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, sobreviveu aos quase seis meses de incerteza quanto ao seu futuro. Davi Alcolumbre, senador à frente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, não só retardou o quanto pôde a sabatina de Mendonça, como trabalhou ativamente pela sua derrota, na intenção de abrir caminho para Augusto Aras, o servil procurador geral da República que sonha a cada dia com a aveludada e prestigiosa toga de ministro. O senador não teve sucesso. Com votos que vieram da esquerda à direita bolsonarista, André Mendonça foi aprovado e se tornará o próximo ministro da corte constitucional.

Vaidoso, o senador do Amapá estava convencido de que seria capaz de articular um fato político quase inédito na história republicana: a rejeição de um nome indicado pelo presidente da república para a corte máxima. Na trajetória do STF, tribunal criado em 1890, apenas cinco nomes submetidos ao Senado Federal pelo chefe do Executivo foram rejeitados: foram as indicações que, em 1894, Floriano Peixoto apresentou à casa legislativa. Foi um episódio singular e nada trivial, compreensível à luz da conjuntura conflituosa que marcou o governo do marechal de ferro, defenestrado da presidência naquele mesmo ano.

André Mendonça, que deve conhecer melhor a história do STF que o senador, manteve-se discreto, alimentando o apoio mais poderoso que poderia ter a esta altura de governo fragilizado: a bancada evangélica. Justamente por saber que não andava só e que era o favorito de um grupo eleitoralmente forte, o indicado chegou para a sabatina com a mansidão que o caracteriza fortalecida. Mendonça sempre fala pausadamente e sorri de forma cândida, como que se dissesse que é incapaz de fazer mal. É com essa placidez que ele é capaz de afirmar as mais indefensáveis aberrações, como fez na resposta em que declarou não ter havido derramamento de sangue na transição do regime militar para a democracia no Brasil.

Desculpou-se logo, por ter entendido o erro estratégico de sua fala, mas a declaração revelou que o lobo permanece vivo, oculto sob a pele de cordeiro esclarecido. Em comedimento para inglês ver, André Mendonça mostrou-se disposto à independência, declarou apoio irrestrito ao princípio da laicidade e reconheceu a legitimidade do reconhecimento de direitos para as minorias. Fez bem o media training, como a imprensa fez questão de apontar.

A incredulidade de todos com o discurso moderado de Mendonça se deve a alguns sinais importantes que ele, inadvertidamente, nos oferece. No dia seguinte à sabatina, o indicado priorizou uma visita ao presidente da República, na intenção de um abraço; um gesto pouco recomendável para um futuro ministro. Bolsonaro estava viajando e ficou explícita a intenção do indicado em agradar. Para nossa angústia, o presidente parece bastante tranquilo quanto ao alinhamento do futuro ministro do STF. Afinal, segundo Bolsonaro, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, seus indicados, "representam 20% daquilo que nós gostaríamos que fosse decidido e votado dentro do Supremo Tribunal Federal". n

 

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