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Um anúncio, mais uma vez, no meio do caminho
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Juliana Matos Brito é formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Trabalha no O POVO há 20 anos. Atuou como repórter e editora do núcleo Cotidiano, que reunia as áreas de Ceará, Fortaleza, Ciência & Saúde e Esportes. Também foi editora de Audiência e Convergência do Grupo de Comunicação O POVO e editora-executiva do Digital e da editoria de Cidades. Tem especialização em Jornalismo Científico e é mestranda em Ciências da Informação, ambos pela UFC.

Um anúncio, mais uma vez, no meio do caminho

Mais uma vez, um anúncio traz informações não comprovadas cientificamente. Leitores destacam a responsabilidade do veículo de comunicação em relação ao que é publicado nas páginas do jornal
Tipo Opinião
Comprovadamente ineficaz contra a Covid-19, o medicamento antiparasitário é apontado por conservadores como parte de um tratamento contra a doença
 (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Comprovadamente ineficaz contra a Covid-19, o medicamento antiparasitário é apontado por conservadores como parte de um tratamento contra a doença

No dia 25 de fevereiro, após a publicação de um anúncio no jornal impresso daqui e de outros estados, por uma associação de médicos, defendendo o tratamento precoce contra a Covid-19, O POVO publicou uma reportagem com o título "Defendido por entidade de médicos em jornais, tratamento precoce não tem eficácia comprovada". A matéria informava que "apesar do apoio presidencial e até do Ministério da Saúde, não há evidência científica consistente até o momento que indique um tratamento precoce para a Covid-19". A matéria ainda trazia o depoimento do epidemiologista Antônio Lima, gerente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) com pós-doutorado pela Universidade de Harvard: "De abril (de 2020) para cá, muita coisa já foi descoberta, inclusive que esses medicamentos não são eficazes para a Covid e que ainda têm efeitos colaterais graves. Para se ter uma ideia, a própria Merck, fabricante da ivermectina, publicou um comunicado dizendo que não há evidências de que o medicamento fabricado por eles tenha algum efeito contra a Covid".

O portal O POVO já havia, inclusive, publicado matéria sobre a declaração do laboratório Merck acerca do uso da ivermectina contra o coronavírus ("nenhuma base científica para um efeito terapêutico potencial contra Covid-19 de estudos pré-clínicos; nenhuma evidência significativa para atividade clínica ou eficácia clínica em pacientes com doença Covid-19, e; a preocupante falta de dados de segurança na maioria dos estudos").

Nesta sexta-feira, 9, no entanto, mais uma vez, o jornal publica um anúncio alardeando os efeitos deste medicamento para o tratamento da Covid-19 mesmo que não haja comprovação científica. Anúncio não é de responsabilidade da equipe editorial do jornal, mas é de responsabilidade da empresa. E ações como essa respingam na credibilidade do que é construído diariamente pela equipe que ali trabalha.

Leitores reclamam de publicação

Em março, já havíamos publicado uma matéria sobre a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de não utilizar a ivermectina em pacientes com Covid-19. E de que o "kit covid" estaria levando pessoas à fila do transplante de fígado em São Paulo e Porto Alegre. Em outro momento, publicamos matéria com declaração do secretário dr. Cabeto criticando a defesa do tratamento precoce.

Sobre o anúncio da sexta-feira, alguns leitores entraram em contato para criticar a publicação. "Olha a irresponsabilidade numa situação de uma pandemia como a que estamos vivendo! O POVO precisa ter mais cuidado em relação ao que publica. Eu sou leitor do O POVO desde menino. Não posso aceitar isso. Isso confunde a opinião pública". "A nota que vocês publicaram traz informações falsas sobre 'tratamento precoce'. Portanto, rogo que, para evitar automedicação e riscos à população, retifiquem a informação". "O anúncio é agressivo, desde o título. Agressivo à Secretaria da Saúde. O anuncio exige a liberdade de prescrição. Como se fosse 'liberdade' poder prescrever medicamento ineficaz e que traz riscos". Em nota, o Coletivo Rebento/Médicos em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS também repudiou o informe: "É inacreditável que, passado mais de ano, ainda seja pautado e propagado o uso de medicamento que não se mostra eficaz no tratamento da doença".

Depois do anúncio de fevereiro, O POVO publicou matéria e editorial explicando o posicionamento do jornal em relação ao tratamento precoce, se colocando contra. Na coluna de 28 de fevereiro, destaquei o prejuízo ao jornal e à sociedade ao abrir espaço para a publicação de informações consideradas falsas, já que não há comprovação científica sobre o assunto, principalmente quando se trata de algo relacionado à saúde em um tempo delicado de pandemia. Reitero aqui meu posicionamento. E, não esperava que, em tão pouco tempo, a mesma situação se repetisse.

Em resposta aos questionamentos feitos, o diretor Alexandre Medina detalha que "a Diretoria-Geral de Negócios, Marketing e Projetos Especiais do O POVO classifica o conteúdo como anúncio e reitera a responsabilização do publicado ao anunciante, que assina o texto". Ele explica ainda que o anúncio de sexta-feira foi enviado ao departamento jurídico da empresa. "Seguimos as recomendações do Jurídico, de destacar o anúncio como tal, dentro de cercadura e com a assinatura do autor. O cuidado em relação à publicação de anúncios é continuamente intensificado, debatido e executado, observando as recomendações do O POVO, com o aviso de informe publicitário e identificação do responsável. Neste caso, a assinatura do anunciante". E finaliza: "O conteúdo se trata de um anúncio publicitário, com assinatura do responsável, cujo teor não reflete necessariamente o posicionamento editorial do Grupo. A diretoria lembra a constante atenção para que não sejam veiculados conteúdos publicitários que vão de encontro a princípios constitucionais, direitos humanos e demais valores que norteiam o Grupo O POVO".

Neste caso, acredito que o anúncio vai sim de encontro aos princípios que norteiam o grupo. E é, nesse sentido, que os leitores também se posicionaram. O anúncio não é compatível com o que O POVO defende.

 

Foto do Juliana Matos Brito

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